CAPÍTULO 14

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XXX

Carter

Estava chovendo forte.

As gotas de chuva açoitavam o para-brisa da nossa caminhonete com força, dando a impressão que queriam quebra-la para que nós víssemos o amassado do chassi que tínhamos acabado de causar.

O sangue já tinha saído, graças a esse temporal dos infernos. Pelo isso era uma coisa em meio a merda que tinha acabado de fazer. Meus amigos estavam dizendo que não foi culpa minha, mas quem estava no volante era eu e não eles.

O corpo estava caído no asfalto, esparramado de qualquer jeito como se tivesse quebrado todos os ossos escondidos embaixo de sua carne. Sua perna estava em um ângulo que nem mesmo um contorcionista poderia fazer e um rasgo profundo nos dava as boas-vindas para o interior de seu crânio.

— A culpa é minha! A culpa é minha!

Meu amigo me deu um tapa na cara. Não tive reação quanto a isso. Estava impactado demais para fazer qualquer coisa.

— Para de falar idiotice! – disse ele – Temos que resolver esse problema agora ou senão vamos passar o resto das nossas vidas atrás das grades.

Ele tinha razão. Sempre tinha razão.

Me aproximei daquele corpo e o virei para que pudesse ver seu rosto. Os olhos vidrados me encararam sem vida. O sangue escorreu como uma catarata de suas narinas e do lado esmagado de sua cabeça. Acho que um dos seus miolos caiu em cima do meu polegar e de imediato, me afastei com certo nojo.

Minha mãe iria ficar uma fera se descobrisse isso. Não consegui imaginar a reação dela se descobrisse que uma festinha após a vitória dos Leon King havia acabado em morte.

— Temos que jogar o corpo no rio. – falei.

Aquilo saiu da minha boca sem pensar. Meus amigos concordaram e começaram a arrastar aquele cara para a beirada da estrada, onde ficava no alto de um barranco que levava diretamente ao rio que saia do Lago Lamery.

A nossa sorte era que toda essa merda aconteceu longe da cidade. Era um lugar afastado de tudo e todos. Fiquei imaginando o que esse cara estava fazendo a essa hora da noite sozinho e ainda no meio da estrada.

Ou será que foi eu que fui para cima dele? Eu não me lembrei corretamente os fatos, mas tudo que sabia era que tínhamos um corpo e isso seria resolvido ali e agora.

— Anda logo!

— Se você ajudasse isso seria mais fácil, Carter. – protestou um deles.

Eu ajudei e quando terminamos o serviço, entramos no carro e seguimos rumo a Green Black. Nunca mais falamos sobre isso.

X

Já faz dois anos e isso ainda está fresco em minha memória.

Não sei bem porquê que essas malditas lembranças vieram me assombrar justamente agora. Estava indo tudo tão bem, mas de repente me bateu aquele remorso que sempre adorou me incomodar nos meus piores momentos.

Sei que errei e que o que eu fiz não tem como concertar, mas ainda fico remoendo aquela noite quando estou sozinho. E se eu tivesse aberto a boca e contasse tudo? E se não tivesse ido naquela festa? E se fosse mais corajoso e não fosse na onda dos outros?

São tantos "e se" que acabam se perdendo em meus pensamentos. Pensar em todas as possibilidades não me faz me sentir melhor. Não me faz ser um cara bom e isso é o que me quebra por inteiro.

Ouvi os passos de alguém se esgueirando atrás de mim. Fechei meus olhos, respirando fundo e sentindo o ar limpo daquele fim de mundo entra em meus pulmões.

Anoitecer SangrentoOnde histórias criam vida. Descubra agora