CAPÍTULO 15

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XXX

Christine

Tom não prestou atenção que havia duas silhuetas passando no pátio do Acampamento Recanto Feliz, do outro lado do lago. Estavam tão distantes que poderiam ser confundidos por qualquer coisa pelos olhos embriagados de Tom, mas dos meus não.

Nossa fogueira estava começando a apagar, ficar pequena e suas labaredas ardentes deixando o frio sorrateiro da mata tocar na minha pele exposta. Me aproximei do fogo, tentando me manter aquecida, mas sabia que mais cedo ou mais tarde um de nós teria que levantar o traseiro e buscar mais lenha.

Tom despejou os últimos resquícios de sua cerveja goela abaixo e deixou a garrafa rolar para longe de seus dedos sujos e magrelos. Ele arrotou de um jeito porco e passou uma de suas mãos sobre as têmporas.

— Minha cabeça parece que vai explodir. – resmungou ele pela milésima vez.

"Queria tanto que explodisse". Pensei. "Faria um favor para a humanidade".

— Você queria o que? – falei – Encheu a cara o dia todo.

Tom me ignorou. Como ele sempre fazia comigo.

As vezes ficava me perguntando o motivo de estar casada com ele a quatro anos e ser alvo de chacota todos os dias. Tinha esperança que as coisas mudariam para melhor e ele resolvesse se tocar que beber não leva a lugar nenhum, mas agora, vendo a forma como ele me trata, senti que minha melhor saída era pedir o divórcio.

— O que essa cabecinha de vento está pensando? – perguntou ele.

Dei de ombros, puxando meu manto mais perto do meu corpo.

— Nada demais.

— Desembucha. – falou Tom com seu jeito "meigo" de ser – Se tem alguma titica de galinha para falar, fale.

Ele abriu mais uma cerveja e começou a beber. Já tinha perdido a conta de quantas ele já tinha pegado.

— Está começando a escurecer e acho melhor voltarmos para casa. Você caçou demais por hoje.

Tom adorava se gabar que era um caçador nato, o melhor da região, mas no fundo todos pensavam a mesma coisa que eu: Ele era um completo imbecil. Até para caçar um coelho ele não prestava.

A temporada de caça estava chegando ao fim e com ela, os caçadores que adoravam se empoleirar nas terras de Recanto Feliz. Tom era diferente dos outros, sempre o mais teimoso. Ele queria tirar a sorte grande de abater um veado ou um urso ou o que for, só para ter o gostinho de falar para seus amigos bêbados que conseguiu matar alguma coisa que prestasse.

A lebre que encontramos presa em uma de suas armadilhas de urso não fez sua boca formar um sorriso. Ele bufou e passou seus dedos para a cabeleira negra de sua cabeça suada por estar andando numa floresta com o sol a pino.

— Temos que continuar. – falou ele naquele momento – A sorte vai chegar.

— Mas Tom...

Seus olhos castanhos me fuzilaram. Me encolhi de medo. Ele sabia como me deixar apavorada e usava e abusava disso para me controlar. Já estava farta disso.

E como de esperado, o homem magrelo e alto, me respondeu da mesma forma de horas atrás agora.

— Temos que continuar. A sorte vai chegar.

— Acho que devemos ser os únicos caçadores por aqui ainda. – falei, tentando convence-lo – Você prometeu que se não achasse uma presa grande, iríamos voltar para casa. Lembra disso, querido?

Anoitecer SangrentoOnde histórias criam vida. Descubra agora