[primeira pessoa.]
Usei o último fragmento de coragem que restava no subsolo do meu consciente. Tudo parecia se enfraquecer conforme meus pés se moviam nos paralelepípedos quebrados e a minha mente respirava tão rápido quanto uma célula por via anaeróbica.
E mesmo sentindo o céu azul rachando sobre as nuvens e ofuscando meus óculos de sol, eu pude notar o olhar cortante sutilmente ligeiro nas minhas botas.
Eu sempre soube que era atrativo - sem o sentido biológico da coisa. Acho que nasci para marcar onde meus pés pudessem tocar.
As vezes de um modo desairoso, deselegante.
Tinha essa ciência de que nem todos os passos que dei na vida foram os mais corretos possíveis. Talvez eu pudesse ter errado menos aqui e ali. Talvez pudesse ter tentado ser menos atrativo.
De qualquer forma, decidi não me lamentar mais sobre possibilidades enterradas em terras inférteis.
Não quando me esgueirava para a última bancada de assentos da igreja e encolhia os ombros para não ser reconhecido.
Não quando eu já sentia um olhar crescente sobre minha presença e a sensação de incômodo vindo do ar. Talvez fosse a pressão atmosférica, mas algo como o olhar sorrateiro de Marion e suas irmãs me diziam que talvez não fosse somente por isso.
E em uma dessas análises minuciosas sob meu corpo, percebi que é impossível passar despercebido usando jaquetas com franja e óculos de sol em uma igreja.
Essa era minha roupa casual, droga.
[...]
Conforme o padre falava, mais eu me encolhia.
Eu lembro de ler alguns versículos da bíblia na escola católica, mas acho que nunca ouvi algo que fizesse jus ao que estou passando.
"Podes escolher segundo tua vontade, porque te é dado." Moisés 3:17. "Deus nos disse, por intermédio de Seus profetas, que somos livres para escolher o bem ou o mal."
Eu não tinha certeza se levaria como lição contraditória ou se ignoraria essa sensação pulsante de que não faço ideia de quem eu sou e o que eu deveria estar fazendo de verdade.
Talvez eu devesse mudar todos os meus horizontes. E todos os meus ideais. Talvez eu devesse começar a seguir o livro da vida e focar na minha parte espiritual. (Isso se eu tivesse uma).
E enquanto questionava todas as lacunas da minha existência, pensei em minha bisa. Em todas às vezes que ela se esforçou para me mostrar que a vida podia ser muito mais do que o fato de eu ter uma mãe morta e um idiota progenitor.
Pensei nas vezes em que ela me protegeu das palavras duras do meu pai, me abraçou forte e beijou o topo da minha cabeça sussurrando que tudo se ajeitaria.
No fim das contas, em algo ela acertou. Algo em minha vida vem se moldando silenciosamente, e eu não faço ideia do que seja.
Talvez seja um compilado de coisas.
Sorrateiramente invadindo meu interior e revolucionando algumas peças de dentro da minha mente que antes estavam girando e girando, sem nenhum sentido de direção.
[...]
Eu não esperei o padre terminar seu ensinamento. Acho que fui tocado o suficiente por uma vida.
Não sei dizer se tem algo a ver com o laço emocional e a sensação reconfortante que sinto quando estou na igreja e me lembro de Amy, ou se eu mesmo quem abri algumas passagens escondidas pela viagem do meu autoconhecimento.
O que sei é que pude escrever linhas e parágrafos gigantes sem ter tempo de respirar e de notar a bolha entre o meu polegar e indicador.
Derramei tudo que podia jorrar e que estava se encharcando dentro de mim no pequeno caderninho de couro.
E pela primeira vez em muito tempo, deixei de me reprimir por ponderar possibilidades utópicas - até porquê se tem uma filosofia que dona Amy me ensinou, foi que isso de utopia não existe.
Então todas aquelas páginas que desenhei vários céus azuis, a representação da chuva sob a tela, e o mar vasto caindo sob ondas, me mostraram que não importa pensar muito, no final.
E eu agarrei esse sentimento com muita força, e o fiz dele minha maior fonte de conforto.
Abri todas as janelas de casa, desliguei todas as tomadas, me sentei no sofá e fechei os olhos, porque eu já sentia que finalmente podia respirar.
E é bom que eu continue respirando e inspirando firme, porquê três batidas soam na porta e eu já não sei mais como controlar o impulso de apenas se levantar e rodar aquela maldita maçaneta.
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breakfast at folks | hiatus.
FanfictionEm uma cidadezinha no interior de Goldland, as manhãs cheiravam a trapaça e tudo que se ouvia eram os galopes costumeiros e o relinchar dos equinos. Harry Styles trotava com sua égua de cidade a cidade procurando algumas presas indefesas, mas não e...