Conto de Néos - Téleios: o sedutor

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"A sobrevivência é sedutora meretriz, que seduz seus amantes a viverem como mortos, e deleita seus amores na penumbra de seus valores."

Paidí correu das vozes que a assombravam, ela não podia enxergar muito bem depois de tanto tempo embaixo da capa, estava desacostumada a correr, com Ánasi ela se arrastava lentamente. Antes que pudesse distinguir a sombra a sua frente esbarrou no ser e caiu. Era Téleios um sujeito pouco maior que Paidí, que a desferiu uma atenção especial, tratando-a como igual, mesmo que fosse a personificação dos seres que a perseguiam.

Paidí tinha medo dele. Não confiava em se mover enquanto seus olhos estavam sob ela. Ele sorria e a escondeu atrás de si quando os demais demônios se aproximaram deles. Paidí permaneceu imóvel. Tinha certeza que ele a mataria, que a entregaria para ser esquartejada pelos seus. No entanto Téleios parecia mais interessado em alimenta-la.

Certa vez ele a puxou com brutalidade para frente e ela encarou aqueles de quem viera fugindo. Eles atentaram para ela, mas logo seus olhos estavam em Téleios que mantinha-se massageando duramente os ombros de Paidí, que agora começava a cogitar permanecer ao lado dele.

Enquanto caminhavam pelo terreno em desterro, Paidí não ousava explorar a distância de Téleios. Era como se pudesse vencer a tudo com Téleios ao seu lado, ele mesmo a fazia sentir assim. Ele sempre a queria por perto, ele dividia histórias da sua vida com a mediana Paidí, apelido que dera a ela. Téleios gostava de pregar peças, testar as habilidades da mediana, mas ele sempre a ganhava, afinal o jogo sempre mudava de regra.

Paidí nunca o contrariava. Afinal ele era o razão por não estar sendo destroçada. Porém negava os constantes convites que recebia para caçar. Téleios queria diverti-la. Ele sabia da instabilidade dos monstros e o quanto eram sanguinários, ainda mais nas caçadas. Mas garantia que ela jamais seria atacada. Que não eram tão sanguinários. Mas Paidí sabia bem o que havia visto, ainda sentia a dor da apatia dos olhos de seus pais. Téleios a queria como parte de seu pequeno bando. Paidí sentia-se querida, mas não sabia se poderia retribuir.

As vezes Paidí pensava que ele poderia a estar engordando para o abate. As vezes tinha impressão que sua afeição era devota e eterna. Ou apenas uma distração. Porém, Téleios em seus modos não definia nada além da sincera satisfação em estar com ela, mesmo que em silêncio a observando. Téleios nunca contava sobre a caça. Ou sobre as cicatrizes. Porém queria convencê-la, afinal era a única ali que por mais que dependesse dele não ousava seguí-lo incondicionalmente. Por mais tentadora que fosse a ideia, ela tinha medo de fazer algo errado. Era mediana demais para correr entre os monstros.

Nas noites de caça Paidí ficava só. Escondida. Téleios atraia os demais para caçar com ele, no entanto era comum ela ser surpreendida com os modos vís de outros monstros que não a devoravam por terem medo de Téleios, ela pensava.

Téleios voltava das caças cada vez mais ávido por faze-la se embrenhar entre os monstros. Paidí se esquivava, até que certo dia ela percebeu o animal que havia dentro dele a odiar por isso. Ela sentiu a seriedade daquele olhar, porém agiu normalmente. Téleios não era um homem, como ela esquecera disso? Ou seria ele um homem que escolhera ser como os monstros que o atormentavam? Talvez isso explicasse por que os atraia, assim como passou a atrai-lá.

A próxima caça chegou. Téleios não insistiu para que ela fosse, seu desinteresse fez Paidí o seguir de longe, cogitando em agrada-lo. Paidí temia agir como os assassinos de seus progenitores. Mas, Téleios era diferente. Ele nunca a atacara.

Na caça, os demônios soavam seus sons atordoantes, a terra desolada parecia ainda mais terrível sob o seu coro. Na planície enlameada, Téleios seguia só e tranquilo. Sentou-se e os monstros traziam pedaços dos corpos dilacerados. Como um animal ele comia enquanto emitia um som como de um choro amargo ou uma risada enlouquecida.

Paidí suspirou fundo e ele a ouviu. Ele a conhecia a distância. Seus olhos mudaram e ela viu a alma do homem que se misturara em meio aos monstros. Sujo no sangue, ele apenas a encarava, como que recordando da humanidade perdida. Porém não havia culpa naquele olhar. Téleios não via a sua vergonha. Téleios a encarava com decepção. Um olhar que a fez sentir sozinha novamente.

Paidí fugiu. Porque ele cuidará dela? Paidí não entendia como Téleios era capaz de de construir seu próprio reino de solidão. Téleios depois de tudo que fizera pra sobreviver não compreenderia Paidí. Para Téleios, Paidí era louca, com um constante apego a morte.

Paidí estava só. Não havia uma sombra onde se esconder. Havia dias que ao ouvir os monstros saindo a caça ela lembrava do toque de Téleios sobre seu ombro. Chorava. Em luto. Talvez o amasse. Talvez ele a amasse. Talvez ela o tenha magoado. Nunca saberia. Contudo, Paidí poderia se acostumar a viver fugindo, mas não poderia comer os restos do que um dia poderia ter sido o amor da vida dos outros.

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