HUMANISMO III

7 1 0
                                        

Algumas pedras, são notadas a beira caminho, outras são procuradas com afinco. Em ambos os casos elas valem o olhar de quem as nota, seja para evita-las, seja para exibi-las.

As vezes era assim que se sentia. Para sua família, uma pedra bruta bem no meio do caminho da vida de uma garota de quinze anos, filha de uma mãe solteira que vivia como podia em um barraco na favela. Pro seu pai não tinha valor nenhum, já que nem mesmo o nome da menina do baile ele sabia.

Ora exibiam a pedra, em troca da pena dos outros, ora rejeitavam-na por suas revoltas sem fim.

Ora a usavam como maneira de ferir os outros, ora servia de apoio para a escalada e alcançar lugares altos.

Já se via como pedra. E não se importava com isso, era bom poder ferir e tomar algo em troca. Era justo quando não davam importância a sua existência. Era bom usar do desejo dos outros como sua fonte de sobrevivência, afinal se dependesse da sua mãe não existiria, se dependesse da sua avó para a lapidar não chamaria atenção o suficiente para sair do canto das ruas, das vielas e dos becos.

Alguns se interessaram em lapida-lá aos seus próprios interesses e outros buscaram mostrar que não era pedra, que valia mais, que era gente e como gente podia não mais ser usada e desprezada, mas não entendeu que existia valor nisso, preferiu defender o valor que conhecia, mesmo que fosse uma pedra desvalorizada.

Lançou-se, acertou os desavisados, machucou a avó e brilhou aos olhos daqueles que se viam como pedras também. Agora estava na joalheria, onde todos a reparavam, onde todos pagavam para ter um vislumbre de si, mas quando as luzes apagavam ainda sentia a sujeira da lama da sarjeta encrustrada em seus pés, porque era apenas um devaneio. Ainda estava a satisfazer o desejo baixo dos outros, a servi-lhes de impulso, a ferir seus inimigos, e ela?

Não valia a pena ser pedra pensará. Se não fosse essa gente que se aproveita de mim eu valeria mais, mas na realidade não entendera que ela poderia ter parado isso lá atrás. Mas ela insistiu em estar disponível como pedra. Se aceitasse a riqueza de ser gente, entenderia que quem a usava não era gente de verdade, era pedra, era bicho, mas não era gente. Entenderia qual valor era mais importante e não teria ferido a tantos. Não estaria exposta para satisfação vaidosa de quem pagasse mais.

Sendo gente não seria tão requisitada e serviria ao que não a deixasse elameads. Sendo gente poderia ser odiada por não ter a aparência desejada ou por não se por aos pés dos que passam, mas sendo gente teria dignidade, sendo gente mesmo que ferida pelas pedras, sorriria em paz consigo, quando as luzes apagassem.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 05, 2022 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

EntrecontosOnde histórias criam vida. Descubra agora