Darla
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Darla Brendon estava cansada.
Não cansada de toda a vida e pronta para desistir, longe disso, mas a mulher claramente precisava de férias.
E o mais engraçado em toda a situação é que Darla nunca teve férias em toda a sua vida.
Darla foi abandonada ainda bebê, sua mãe engravidou ainda adolescente e se recusou a criar a menina, então Darla foi dada para um par de tios betas idosos.
A jovem mulher cresceu no interior, em uma casa pequena e velha. Em seu quintal, sua tia Marie tinha muitas ervas daninhas e nenhuma flor e frutos, em certos momentos enquanto crescia, a menina tentou organizar uma pequena horta.
Darla ama mexer em terra e ver as plantas crescerem. Um desejo vindo de sua biologia ômega que estava sempre inclinada a preferir coisas bonitas e aconchegantes.
É claro que tia Marie odiava a ideia. A senhora rigorosa preferia ver seu quintal tomado de ervas daninhas do que ter Darla mexendo no que não lhe pertencia.
Tio Lucas era ainda mais rigoroso e tendia a observar a pequena menina muito atentamente. Logo, brincadeiras inocentes transformaram-se em toques estranhos.
Quando adolescente, Darla morria de medo de ficar sozinha com o tio. Odiava as mãos bobas do homem idoso. Sentia repulsa pelos olhares que ele lhe lançava quando tia Marie não estava por perto.
E o homem Beta, em sussurros, sempre comentava o quanto Darla estava ficando parecida com a mãe, tanto em aparência quanto em designação.
Ele afirmava saber que a menina também se apresentaria em um ômega. E que logo os instintos de prostituta tomariam conta de sua sobrinha.
Crescer cercada por tanto medo foi bastante assustador. Especialmente com tia Marie afirmando que nada na casa pertencia a Darla e que a menina estava só de passagem até a apresentação. Quando a mulher já não seria responsável por ela e Darla teria que sair.
Já tio Lucas, ano após ano, insistia em sussurros assustadores onde dizia que quase podia sentir sua designação ômega aflorando, que se ele fosse um Alfa, Darla receberia o que merecia, não importa a idade.
Darla ainda lembra da sensação de ser pequena e assustada. De desejar coisas que nunca poderia ter, não dentro daquela casa.
Na escola em que frequentou desde tenra idade, a garotinha ruiva estava sempre em desvantagem. Suas roupas eram encontradas por sua tia em lojas de despejo e eram largas e disformes, certamente roupas que pertenceram a meninos e não meninas.
Darla era tímida demais para fazer amigos e sempre que ela tentava, descobria que as pessoas já tinham uma opinião formada sobre ela. Em uma cidade pequena e uma escola menor ainda, não existiam meios de fugir das fofocas.
E a pequena garota foi marcada muito antes de saber falar. Sua mãe possuía uma reputação de se esgueirar na cama de qualquer um lhe oferecesse abrigo.
E o falatório foi transferido para a menina, mesmo que ela fosse inocente e ainda uma criança.
Quando sua apresentação aconteceu, Darla tinha dezesseis anos e estava na escola. Os professores foram rápidos em afastá-la do grupo de alunos, especialmente os recém-apresentados alfas.
Darla não se lembra de muito, apenas de ser colocada em uma ambulância e levada as pressas ao hospital local. As dores no seu corpo eram tão intensas que a adolescente ruiva se sentiu queimar de dentro para fora enquanto uma febre insistente tomava seu corpo.
A ruiva passou todo o período de apresentação ômega, seu primeiro calor, em uma maca de hospital. Em nenhum dia ela recebeu visitas e nas poucas vezes em que alguém entrava no quarto pequeno em que foi trancada com o intuito de forçá-la a beber água e comer algo, as pessoas eram sempre mulheres betas. Nunca homens.
Quatros dias depois, quando recebeu alta, sendo autorizada a ir embora, a jovem recebeu dos médicos um frasco com supressores e duas cartilhas que explicavam pobremente sobre a apresentação ômega. Vestindo suas roupas escolares, agora lavadas e sem cheiro, Darla ficou surpresa por encontrar tia Marie do lado de fora do hospital. Seu carro velho e enferrujado parado tortamente no pequeno estacionamento.
Tia Marie estava fumando um de seus famosos cigarros, sua expressão desencorajou a menina a perguntar por qualquer coisa.
E o silêncio constrangedor se instaurou entre as mulheres.
Durante todo o trajeto de saída do hospital e entrada na estrada para a cidade, Darla esteve se perguntando o que seria dela agora. Era certo como o dia é dia e a noite é noite que a adolescente estava com seus dias contados na casa de seus tios.
O que ela não contava era que seus dias foram reduzidos a minutos.
Foi a entrada da rodoviária da cidade que a alertou sobre a bagunça em que estava enfiada.
Darla nunca vai esquecer o olhar que sua tia lhe deu ao explicar para a sobrinha que sua obrigação com ela tinha acabado. Que a ruiva já não era sua responsabilidade e devia ir embora.
Sem expressar nenhum sentimento, a velha mulher saiu do carro e entregou para uma Darla em choque uma bolsa que continha todas as suas roupas e pertences pessoas, não que fossem muitos, já que sua tia sempre lhe impediu de acumular bens. Sua mochila escolar com o pouco material que ela possuía.
Marie Brendon entregou a sobrinha sua mala, um aparelho celular com a tela quebrada, que antigamente foi da mulher mais velha e que ela nunca conseguiu usar por detestar aparelhos eletrônicos, algumas notas soltas de dinheiro amassado, e um bilhete para embaraçar em um dos grandes ônibus estacionados, que estavam com viagem pronta para fora da cidade.
A partir daquele ponto, Darla estava por contra própria.
E ela se lembra de implorar para a tia, a ruiva não tinha terminado a escola, não tinha emprego, não possuía nenhum parente ou amigo. Para onde ela iria?
A resposta foi simples. Não era um problema de sua tia, nem de seu bom marido que ela salvaria de ser tentado pelos genes ruins da sobrinha.
Darla tinha que partir e não voltar. Nunca. O conselho da velha senhora foi simples.
"Encontre um cabeça de nó estúpido o suficiente para receber você, faça-o te acasalar e tente viver uma vida conforme os valores da igreja. Não se transforme em uma prostituta viciada igual sua mãe, pois não vou cuidar de mais nenhum filhote."
No entardecer daquele dia, enquanto estava sentada no banco desconfortável de um ônibus velho, lágrimas salgadas e silenciosas escorrendo por seus olhos, a menina pensou que nada poderia ser pior que isso.
E por muitos anos nada foi tão ruim. Darla encontrou abrigo na cidade grande. Em um centro de recuperação designal para pessoas sem teto. E naquele lugar esquecido pelos Deuses, a menina não demorou muito para conhecer alguém que seria sua fada madrinha.
Melissa Puentes sempre foi uma mulher poderosa. Nascida Beta, teve sua formação inicial em Serviço Social e contou para Darla, que atuou poucos anos dentro da profissão, trocando de serviço quando não conseguiu mais aguentar as barbaridades vistas dentro da profissão.
Casos enormemente piores do que o de Darla. Ainda assim, mesmo já atuando em uma nova área profissional, não conseguiu virar totalmente as costas para a causa social, sempre estando envolvida em pequenos projetos de ajuda à comunidade, especialmente quando crianças estavam envolvidas.
Foi desse modo que ambas se conheceram. Darla era recém-chegada à cidade grande, recém apresentada a designação ômega, com apenas um frasco contendo vinte e nove pílulas supressoras, uma mochila e uma bolsa de lona com suas poucas roupas e pertences. E dois dias dormindo em um centro de recuperação designal para viciados.
A mulher loira estava com voluntária na noite chuvosa que Darla chegou ao centro. A pequena ruiva fugiu da chuva e com a ajuda de policiais, encontrou o centro.
Ela não sabia o que esperar do local, nem se conseguiria abrigo. Mas talvez, com sorte, ela poderia pernoitar na sala de espera e estar razoavelmente segura.
A ruiva nunca soube o que levou Melissa a ela, ou o que a mulher loira é enérgica viu na pequena menina molhada e assustada. Mas se não fosse por ela, Darla não conseguiria dormir esses dois dias no prédio e não teria seu primeiro emprego.
Atuando em vários áreas de serviço ao cliente, em que muitas vezes estava envolvida em projetos de eventos. Gerindo pessoas para servir mesas e limpar lugares, Melissa deve ter visto algum potencial na garota, pois no terceiro dia em que estava na capital ela logo foi contratada para um dia lavando louça em um pequeno restaurante que na época estava fechado para a comemoração de um casamento.
Os donos precisavam de pessoal braçal para atividades serviçais, contratando Melissa para conseguir esse pessoal.
Darla estava tão assustada, mas Melissa foi justa com ela e colocou a garota em baixo de suas asas. O pagamento foi realizado em dinheiro no final do trabalho. Darla, por ainda ser considerada menor de idade, não podia ser contratada formal, mas por ser um Ômega, ela podia exercer pequenas funções.
O mercado de trabalho é cruel com todos, porém especialmente com nascidos ômegas, que tem poucos direitos e ganham um piso salarial ridiculamente abaixo do considerado normal.
É claro que muita coisa estava mudando e direitos Ômegas que antes eram ridicularizados, agora estavam sendo debatidos. Sendo a questão salarial o principal ponto de partida para uma divergência politica e cultura.
Partidos conservadores ainda brigam para manter os nascidos ômegas dentro de bolhas familiares, protegidos por casamento e filhos. Sem direito a educação universitária ou a empregos formais.
Darla tem pavor desse tipo de pessoa, e tende a fugir de igrejas ou centros religiosos. Qualquer ômega que não nasceu e cresceu dentro de uma abordagem tão radical de alienação, sabe que não é bom se envolver com nenhum conservador.
O risco de acabar descalça e anualmente grávida de uma ninhada, enquanto um marido Alfa usaria de seus direitos para subjugar o ômega eram grandes demais para arriscar buscar ajuda divina.
A casa onde Darla vive com sua filha é uma quitinete de um cômodo com banheiro e a improvisação de uma cozinha ainda menor do que o cubículo que era seu banheiro. Ela vive neste lugar desde o momento em que Melissa a pagou pelo seu primeiro grande evento, onde a adolescente foi garçonete pela primeira vez. É claro que ainda levou alguns dias de trabalho para juntar a quantia suficiente para arrendar o imóvel. Sendo menor de idade, mesmo já apresentada, Melissa foi sua fiadora.

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Ajuda Inesperada
RomanceDistopia A/B/O "O sonho de Samuel Hux sempre foi ser pai. E com a realização de seu desejo ele descobre que a paternidade não é tão simples. Sua designação Alfa o comanda para prover, proteger e cuidar de seu bebê. E é frustrante descobrir que ele e...