Lá na casa onde o Joaquim morava, e onde ele estava deixando eu ficar, o clima entre nós dois ficou ainda mais pesado, pela primeira vez desde que tinha conhecido ele nós estávamos em total silêncio, e quando tem química igual como eu percebia que tinha entre nós, estar assim não era normal; chegamos em casa de tarde, já era noite e eu e ele não tínhamos nem trocado uma palavra se quer.
Eu fiquei sentado no quarto dele, lendo uns jornais e umas revistas daquela época, precisava me acostumar mais com tudo; no meio disso, Joaquim que era mais curioso que eu nem perguntou nada sobre meu interesse pelo monte de jornais velhos. Ele trocou de roupa, pôs uma camisa listrada e um short de pano bem curto; que pernas que ele tinha, ainda mais assim bem marcadas naquele short que não chegava nem na metade da coxa, e por incrível que pareça era comum usar short assim ali.
Depois de um tempo ele foi e voltou da cozinha, com duas canecas de um café aguado, eu ainda tava ali no quarto, mas ele fazia tudo como se eu nem existia, às vezes que me olhava de rabo de olho, mas só isso; esse silêncio tava me matando, antes de deitar na cama, Joca ligou o rádio de pilha na cabeceira e deixou tocando uma música sei lá de quem.
— Cara, qual o lance aqui? O que está acontecendo?
— Como assim Jotta Pê?
— Isso desse silêncio, porque você tá me dando todo esse gelo?
— João Pedro, eu me esforço, bicho, mas é difícil de entender, você tem um papo pra lá de nove horas, fala mais claro!
— Puta que pariu! – Eu respirei fundo – por que você não tá falando comigo desde que voltamos?
— Não aconteceu nada, fica tranquilo.
— Joca se foi por causa do beijo, desculpa, eu sei que deve ser difícil pra você, mas ao mesmo tempo, sei lá, tu é lindo pra caralho, eu fui ficando atraído por você.
— Não foi por isso – Ele se sentou do meu lado na minha cama improvisada no chão – você também é bastante bonito Jotta Pê, um pão, só que é diferente tudo – Ele tocou minha mão, entrelaçando os dedos ao meu e senti meu corpo todo arrepiado – eu também fui ficando atraído por você, mas é difícil demais pra quem é entendido assim como a gente, essa escolha que fizemos.
— Não é uma escolha, eu nasci assim, você também – Eu falei apoiando a cabeça no ombro dele, a forma como ele era calmo, sei lá, estava ficando meio apaixonado, eu acho.
— Eu sei, você tá certo, é que tudo é mais difícil pra gente assim que nem a gente, mas não é só por isso – Ele ficou hesitante, parecia pensar em tudo antes de falar – o que eu te contei hoje, não devia ter contado, é algo que ninguém pode saber, e sua reação depois, você sabe que eu preciso ter certeza que posso confiar em você.
— Claro que pode Joca.
— Então como é que você pode achar que não vai dar certo companheiro?
— Eu queria muito poder explicar, mas você jamais acreditaria em mim.
Juro, naquele momento a gente tava muito próximo, era uma ligação fora do normal, tínhamos sentado um de frente pro outro no chão, pernas cruzadas juntas, mãos dadas, falando olhando no olho, o modo como ele passava o dedo na palma da minha mão fazendo carinho; não era como quando eu saia com alguém do Tinder por exemplo que as vezes tinha aquele carinho pré ou pós sexo, como ele tudo ia por um outro caminho, um mais delicado, e tão mais lindo.
— Só tenta me explicar Jotta Pê, pode ser do teu jeito, mas tenta!
— Eu não sou daqui.
— Disso eu sei – Ele sorriu, o que já era um avanço depois de tanto silêncio.
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Viajante
Historical FictionJotta Pê é um jovem comum do Rio de Janeiro; sua família é marcada pelo desaparecimento de seu tio durante a ditadura militar. Um dia sem dar-se conta e sem saber como ele viaja no tempo tendo a chance de mudar o futuro. Em meio aos anos de chumbo n...