A rua era a mesma, o muro de tijolos também, a noite por incrível que pareça ficou mais fria; eu ainda estava meio tonto, o som da sirene seguia cada vez mais alto próximo de mim, sentei na calçada tentando respirar melhor, parecia que estava tendo uma crise de asma, coisa que não tinha desde pequeno. Fiquei do lado de uma lata de lixo, quem viesse da rua principal para aquele beco não ia me ver.
Apesar de tudo muito parecido algo me fazia sentir que estava em outro lugar diferente; uma menina que tinha visto chegou correndo, ela tava super pálida, assustada, um fusca parou na entrada da rua sem saída, meu instinto dizia só pra me esconder quando um guarda saiu do carro e atirou nela, eu tapei a boca para segurar o grito, a garota lá de vestido e bota caída no chão de pedras, com dois furos no peito e o sangue escorrendo formando uma poça, eu fiquei desesperado.
Os policiais puxaram a menina pelos pés mesmo, tipo um pedaço de carne qualquer, foi horrível, eu tremia, quando o carro saiu eu levantei ainda mais tonto; foi quando me dei conta que na parede tinham uns avisos em preto e branco de procurados, com fotos de algumas pessoas. Sai desnorteado, tinha corrido, fugido bravo com meus pais e minha avó, mas daí a testemunhar um homicídio era demais pra mim.
J.P.: Mãe, vem me buscar!
J.P.: Pede pro papai vir de carro.
Tentei uma vez depois da outra, mas o telefone já quase sem bateria também já não tinha sinal, nem o GPS pra saber bem onde é que eu tava funcionava, tava muito fodido com toda aquela situação; fui caminhando pelas quadras meio sem rumo, tentando refazer os passos, encontrar meu prédio mas cada rua era ainda mais estranha, parecia tipo um cenário de novela de época, os carros todos velhos, o que me chamava mais atenção eram as casas.
Eu cresci na Tijuca mesmo, conhecia o nome de cada canto, pelo menos alguns eram os mesmos nomes ainda, só que os prédios que conhecia toda minha vida, que usava como ponto de referência agora já não estavam lá, tinham um monte de casas, nem era de madrugada ainda, mas todas as janelas já estavam fechadas, no máximo uma ou outra luz daquelas amarelas antigas acesas na porta.
Quando cheguei na quadra onde morava minha avó, ou onde acho que era a quadra dela, também não tinha nenhum prédio, eu já tava ficando puto, tudo parecia uma piada de mal gosto.
J.P.: Pai, o que tá acontecendo?
J.P.: Pq vc e a mãe n respondem?
J.P.: Paaaaaiiiii >:( >:(
¨O número contactado não está disponível
ou não pode atender a chamada no momento¨
Parecia sacanagem com a minha cara, nada de sinal, sem conseguir contato com minha família, quando olhei a hora no telefone de novo, já eram quase quatro horas da manhã e o celular só com nove por cento de bateria agora, fui caminhando mais um pouco até onde eu achava que era onde minha avó morava, a casa parecia a mesma só que menor, menos cômodos, mas eu tinha quase certeza que era ali, fui correndo no portão, gritei pelos meus pais, pela minha avó, bati palmas e nada.
Como o muro da minha avó sempre foi baixinho pulei e decidi bater direto na porta, foi aí que tudo ficou ainda mais louco, um cara alto, forte, com cabelo cacheado, bigode tipo hipster, atendeu a porta já com cara de sono.
— Que pilhéria é essa na minha casa a essa hora?
O cara quase gritou, tava com um roupão, estranho, reparei bem nele, ali olhando bem foi quando percebi de onde ele me parecia tão conhecido, era o mesmo cara dos porta retratos na casa da minha avó, era a cara do meu avô, eu acho, sei lá, ele tava ficando com a cara cada vez mais feia de raiva, bem carrancudo mesmo.
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Viajante
Fiksi SejarahJotta Pê é um jovem comum do Rio de Janeiro; sua família é marcada pelo desaparecimento de seu tio durante a ditadura militar. Um dia sem dar-se conta e sem saber como ele viaja no tempo tendo a chance de mudar o futuro. Em meio aos anos de chumbo n...