Capítulo 9

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No dia seguinte fiquei mais animado, apesar de ainda estar assustado só de ter um plano sólido para seguir fazia toda a situação parecer melhor; meu corpo ainda tava todo dolorido, era uma mistura de sangue seco e hematomas, pra ser sincero doía pra caralho cada parte da cabeça aos pés, mas o novo ânimo, a esperança fazia eu me sentir melhor e de alguma forma ignorar a dor.
Ainda estava naquele galpão imundo, mesmo com meu tio e Joaquim de aliado, não podíamos dar bandeira de que tínhamos um plano, ou de que de algum modo estávamos trabalhando juntos; escutei quando um carro do lado de fora deu partida se afastando, outro carro passou rápido logo atrás, tinha certeza que o grupo já tinha ido; coisa de uns trinta minutos depois ouvi alguém estacionando, logo veio o tal do André, e mais alguns homens, todos bem armados.
— Muito bem meu amigo, agora é hora de acabar com essa praga comunista que tá crescendo no nosso país.
Dois homens me desamarraram e me entregaram algumas roupas limpas, me troquei e fui atrás deles, tinha que seguir o plano que tinha feito, conseguir impedir eles.
— Já temos mais gente em volta do banco, todo mundo à paisana, chegando lá vai ser coisa de tempo até eles saírem.
— E a arma que você tinha me dito mano … quer dizer, bicho.
— Fica frio.
Fui com eles até um dos carros quadrados,dois caras foram no banco de trás e eu e André na frente, assim que começamos a andar outro carro veio atrás, com um dos homens que tinha me desamarrado dirigindo, André olhava pelo retrovisor sorrindo.
— Quantos somos exatamente?
Eu comecei a ficar preocupado, não sei se o plano ia dar certo com tanta gente do lado inimigo.
— Lá você vai ver, não precisa se preocupar, eles não tem nem chance.
— É só que eu queria saber mais, você me falou tudo muito por alto quando eu estava lá preso.
— Fica tranquilo, já disse, é tudo muito simples, eles saem, a gente espera no bar que dá de porta pro banco, atiramos e matamos o máximo possível, pelo que sei eles não chegam nem a dez subversivos, e nem muito armamento eles têm.
— E depois?
— Se sobrar algum, e o líder lá do bando, o tal Carlos Alberto, vulgo Beto, não tiver com um buraco de bala no meio dos córneos, eu dou o sinal e vamos atrás deles, se seguem o mesmo caminho que combinaram damos sumiço neles antes de chegarem na metade.
Eu estava suando de nervoso já, pálido de medo, tentava disfarçar, dissimular, mas não sabia se tava funcionando.
— E a arma?
— Carlão, dá o chumbo pro nosso amigo aí.
Um dos caras do banco de trás me entregou uma pistola dessas que nem de filme de faroeste, acho que era dessas antigas, sei lá, capaz fosse normal pra época, ainda assim o peso da arma e o frio do metal me arrepiava de medo.
— Fica frio, já tá carregada.
— E onde eu fico durante todo o confronto?
— O invertido e o tal Beto já tem tua cara marcada, então você fica atrás de mim, se eles te virem quando saírem vai dar bode; agora se prepara que já estamos quase lá.
Quando chegamos no local de tudo, uma esquina que parecia bem comum até, o barzinho meio pé de chinelo com um moleque franzino, não sabia dizer nem se podia chamar de adolescente já atrás do balcão, algumas pessoas nas mesas de madeira pela calçada tomando uma cerveja, do outro lado umas pessoas paradas conversando, uma mulher passando com um carrinho de bêbe, um jornaleiro e o tal banco central; tudo parecia cena num desses filmes de época, eu fiquei esperando no carro escutando uma música arrastada na rádio enquanto os outros se misturam ao cenário da esquina.
Ia tudo bem, tipo uma dessas tardes calmas perto do fim de semana, de repente tudo virou como se fosse uma guerra, a porta do banco abriu e eu vi os olhos do Joaquim, ele estava com o rosto tapado, mas por aquele olhar agitado que dizia tanta coisa sem a necessidade de palavras eu sabia que era o cara por quem eu tava apaixonado.
Joaquim carregava uma bolsa bem cheia em um braço, e na mão uma arma engatilhada, atrás dele tinham mais três iguais, todos do mesmo jeito, bolsas e armas, como se isso não fosse o bastante, assim que eles saíram um fusca que estava na esquina da outra rua arrancou a cem por hora parando no meio da rua entre o banco e o bar, meu tio também com o rosto tapado era quem dirigia.
O André saiu do carro que a gente estava já com a arma nas mãos, pronto pra dar o primeiro tiro, na outra calçada, a moça com o carrinho de bêbe puxou uma arma grande do carrinho e jogou ele no meio da rua, o jornaleiro também agarrou uma arma e apontou na mesma hora pra ela, quando dei por mim, os homens que vieram comigo levantaram das mesas no bar puxando a pistola; o menino do balcão se jogou no chão, outras pessoas gritavam; tudo estava acontecendo em questão de segundos, mas pareciam horas, os tiros começaram dos dois lados.
A mulher do carrinho logo caiu com um tiro no peito, o jornaleiro que tinha acertado ela atirou de novo, Joaquim rapidamente disparou certeiro na testa dele antes que ele pudesse dar o terceiro tiro, meu tio com o carro ainda ligado começou a atirar enquanto segurava o volante, os vidros do carro se estilhaçaram, mas ele conseguiu acertar dois dos caras disfarçados no bar.
— Agora eu mato esse pervertido!
Um dos militares infiltrados apertou o gatilho, meu coração pareceu parar naquele mesmo momento, a bala ia em direção a Joaquim, enquanto ele descia as escadas em direção ao fusca, o tiro acertou ele no braço na altura do ombro, sangue começou a molhar toda sua camisa, mas ele não parou seguiu em direção ao meu tio se jogando no banco de trás do fuzca, os outros dois que saíram com ele mataram alguns dos infiltrados que atiravam do bar, mas antes que pudessem chegar no último degrau até a calçada caíram gritando, um grito afogado, agonizante da morte por vários tiros que acertaram eles na barriga; meu tio já arrancava de novo com o carro quando André sorriu bem malicioso.
— Essa praga acaba pelo líder da quadrilha.
Era minha hora de agir, como tinha combinado antes com meu tio e Joaquim, mesmo sem nunca ter disparado na vida, juntei o máximo de coragem que eu tinha, engatei a pistola e fui com força apertando o gatilho com um golpe nas costas do André no mesmo momento que ele atirou também, por muita sorte ou pelo meu movimento inesperado ele errou o tiro, eu apertei o gatilho outra vez mirando pra ele e nada.
— Agora foge, plano B!
Eu gritei alertando meu tio que saiu varado com o carro, André se virou pra mim tentando me empurrar pra lateral do carro.
— Você achou mesmo que eu ia te dar uma arma carregada sem eu confiar direito em você?
Antes que ele pudesse encontrar uma posição para pegar a pistola e apontar pra mim, eu com a que tinha na mão dei com tudo na cabeça dele, ele caiu na hora; juro que tudo tava acontecendo tão rápido, e era tão intenso que eu nem pensei se tinha ou não matado alguém, os dois que haviam sobrado no bar, agora com várias garrafas quebradas e marcas de bala, vieram correndo na minha direção atirando, eu me escondi como pude escutando o som dos tiros contra a lataria do carro, do vidro explodindo e do passo deles se aproximando, por um instante pensei que já não teria saída.
Respirei fundo imaginando que aquele era meu fim, quando vi meu tio vindo de novo com o carro a toda velocidade, aparecendo pela esquina, uma mão no volante e outra atirando, Joaquim pela janela também disparava, ele abriu a porta traseira e eu pulei pra dentro do fusca em movimento; fomos rápidos cortando caminho por outras ruas, passando direto por sinais vermelhos até chegar numa pista e depois numa estrada de terra, eu ainda ali assustado só senti quando Joaquim, o homem que eu tava apaixonado, que eu tinha conseguido salvar da morte, mesmo pálido de dor pelo tiro no braço me agarrou e me beijou.
— Conseguimos! Deu tudo certo.
Ele disse contente entre beijos, um mais forte que o outro, o gosto salgado do suor que escorria pelos seus lábios não me importava, toda a dor e adrenalina daquele momento parecia um sonho distante enquanto eu sentia ele ali junto a mim, eu sorria olhando em seu olhos quando escutei a voz do meu tio, mesmo a poucos centímetros de nós a voz dele parecia distante, Joaquim me olhava assustado, sua voz saia ainda mais distante, sentia como se todos estivessem embaixo d'água, o carro parou, via entre borrões meu tio e Joaquim se aproximando de mim, me deitando no banco enquanto tudo começava a girar ao meu redor, mesmo com toda a loucura de ir parar no passado eu não queria que terminasse ali, queria um pouco mais de tempo, escutei um grito distante chamando meu nome, e de repente era tudo escuridão.

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