Capítulo 7

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O sol já estava alto quando dei por mim, acho que dormi, cochilei ou desmaiei, não sei, minha barriga doía de fome, sentia todo meu corpo dolorido, e mesmo com o cansaço minha mente não parava um segundo, eu só pensava em tudo o que ia acontecer, o que eu já sabia e como agir a partir disso, tentei apesar da situação que eu estava armar algum plano.
Com o sol forte passando pelas frestas das janelas tapadas consegui ver melhor as coisas naquele galpão imundo, fui juntando informações, olhando o mais forte possível eu consegui ver que ali era uma fábrica abandonada, de panos, tecidos ou algo do tipo; demorou um pouco, mas logo consegui sacar onde eu tava.
Ali ia ser um shopping não sei quantas décadas depois, eu lembrava do meu pai me levando lá quando eu era pequeno e contando de como o shopping mudou o bairro, então já sabia que não estava longe de casa, e conhecia bem as ruas ali em volta, agora só precisava ganhar tempo para inventar algo.
— João Pedro, hoje não tem mais histórinha, é hora de dizer a verdade.
Joaquim entrou com um prato de metal com pão e uma gosma que acho que era pra ser um mingau ou sei lá, ele tinha umas orelhas como se não tivesse dormido nada durante a noite, a cara dele tava ainda mais séria que no dia anterior.
— Te trouxe algo para tomar café, mas agora é melhor você dizer algo que seja verdade.
Ele trouxe uma cadeira de madeira, sentou na minha frente, ver ele ali com a barba por fazer, me dando comida na boca, se é que posso chamar aquilo de comida, a mão dele tocando meu rosto e boca, a vontade que eu tinha se não tivesse amarrado era abraçar ele, sentir os braços dele com os meus, poder beijar ele, sentir nossos lábios colados; apesar de todo desejo que eu tinha, e dele de algum modo cuidando de mim, a atitude dele era cada vez mais seca.
— Vamos João, desembucha.
Eu respirei fundo, não podia seguir mentindo pra ele, e a verdade também não era nada fácil de acreditar, eu precisava alertar o cara que eu tava afim e de uma maneira que ele acreditasse; pensei bastante antes de cada palavra, mas tinha que dar certo.
— Tudo bem, eu te conto tudo, mas se liga … quer dizer, presta atenção, não é algo que todos possam saber.
— Isso quem vai decidir sou eu, agora abre o bico.
— Não sei como ainda, mas já sabem de todo o plano do assalto.
— Claro que sabem, você contou … quem é seu informante, eu preciso que você fale!
— Eu não disse nada pra ninguém, te juro.
— Então como você explica aquele aparelho americano?
— De verdade, eu queria que você pudesse entender, mas é difícil.
— Porque tanta história bicho? A verdade era pra ser fácil.
— A verdade é que tem um infiltrado no grupo, não eu, juro, mas outro.
Ele levantou bruscamente da cadeira, deixou cair o prato e me olhou com cara brutal, ele caminhava de um lado pro outro, passava a mão pelo rosto cada vez mais vermelho de raiva.
— Não diz essas coisas, você não sabe do que tá falando, todos foram muito bem selecionados, você já tá inventando uma mentira séria demais.
— Eu tô dizendo a verdade Joaquim, isso é tudo verdade, isso é que eu te amo – A maneira que ele me olhou, arregalou os olhos – eu sei que é tudo muito rápido, mas tô de verdade a fim de você.
— Chega de tentar me levar nessa historinha – Ele gritava comigo, dava pra ver bem a mistura da raiva e decepção, e isso era tudo o que eu não queria que ele sentisse – você é um milico à paisana, me usou, como uma piada, meu maior erro foi confiar em você.
Quando ele disse aquilo eu perdi a voz, queria me soltar, abraçar ele, fazer com que ele entendesse tudo, a lágrima caindo pelo rosto dele enquanto ele ia embora, eu fiquei acabado; ali com aquela impotência sozinho, com as roupas pelo chão, junto da comida e os ratos passeando, eu só queria chorar, e olha que eu odeio ser assim frágil, não podendo fazer nada, sem poder ajudar meu tio e o homem que eu tava apaixonado.
Acho que passaram umas duas ou três horas que fiquei ali abandonado até que entrou João Alberto, na moral, não importava quantas vezes visse ele era super estranho, era como ver um espelho de tão parecidos que éramos, talvez por isso minha avó ficava confundindo tanto a gente; meu tio sentou onde antes estava o Joaquim, ele me olhava sério.
— Tudo que você vem falando pro companheiro Joca é uma baboseira das grandes, agora acabou a moleza, tá na hora de falar o que sabe, e explicar bem dessa vez.
Parecia sacanagem a quantidade de perguntas que toda hora faziam, tentei explicar tudo como tinha feito antes com o Joaquim, a verdade mais verdadeira possível sobre a viagem no tempo e tudo, mas ele só riu da minha cara antes de mais um soco na cara, esse pra variar bem mais forte, deixando até um corte sangrando na minha bochecha.
— Vamos ver companheiro, essa invenção toda não cola, se você não coopera vou ser mais direto, cada mentira te quebro a cara, assim fica bem?
Eu só fiz que sim com a cabeça.
— Bem, quando você tá do nosso lado já é mais fácil; agora me diz que maquininha é aquela que tava com sua roupa? O companheiro já disse que escutou tocando, e até agora tá ele e a outra companheira quebrando a cuca pra entender como funciona.
— É … é como um relógio, a bateria, não vai funcionar, a bateria acabou.
Eu falei a verdade, mas como meu tio era gentil, por assim dizer, me deu outro soco no rosto e fechou a cara pra mim.
— Não quero desculpas bicho, quero saber como funciona e o que você sabe.
Tava na cara que eu precisava mudar a estratégia, meu tio sumido era bem mais brusco que o Joaquim; respirei fundo pensando em como fazer para ele acreditar em mim, quando me veio a ideia como num estalo, éramos da mesma família e algo eu sabia dos meus parentes por mais desligado que eu fosse, essa era minha escapatória e a salvação dele e do Joaquim.
— Não sei como te explicar, mas não sou informante de porra nenhuma, e tem mais, eu tô do seu lado, eu sei que sua mãe vai fazer aniversário em um dia – Eu pensava em todas as informações que podia ter – vai fazer … quarenta e quatro anos, e tem mais, ás vezes ela têm falhas na memória, é melhor cuidar disso porque vai piorar.
— Do que você tá falando?
Ele me olhava incrédulo.
— Além disso você têm sua irmã, ela gosta de … de … sempre gostou de limão, eu sei que é estranho, mas ela adora, além disso os olhos dela nasceram azuis e ficaram mais escuros depois; ah e seu pai tem uma irmã, uma que teve filha a pouco tempo, a prima Nina … quer dizer, ela tem um apelido, todo mundo chama ela de Nina, mas o nome é Maria Carolina.
A forma como ele me olhava, eu jurava que estava se convencendo, eu comecei a sorrir e tudo já feliz por estar dando certo, mas eu estava era enganado, meu tio saltou da cadeira jogando ela longe, veio pra cima de mim e começou a me bater com uma violência gigantesca, me dava soco e chute de tudo que era lado, eu caí ainda amarrado, e ele não parava , teve que vir o Joaquim e o filho da puta infiltrado para tirar ele de cima de mim, quando afastaram ele de cima de mim ele continuava gritando com ódio, enquanto saiam me deixando ali sozinho com a cara toda inchada e o corpo marcado.
— Filho da puta! Ele já tinha tudo planejado, ficou vigiando minha família, desgraçado! Eu vou matar esse filho da puta.
Eu tinha cagado tudo, não tinha mais escapatória, agora só saia dali morto e sem conseguir mudar nada; eu gritava de dor e de raiva, queria brigar com o mundo, sentia uma culpa gigante, eu tive a chance de mudar tudo e só piorei as coisas, agora mesmo que não iam acreditar em mim.
Fiquei ali machucado por mais várias horas, sozinho, entre gritos e uma agonia gigante; já era de noite quando o tal traidor do grupo entrou de novo com uma caneca de metal, era água, nem gelada e nem quente, ele ia me dando aos poucos já que eu não conseguia nem engolir direito. Mesmo com o bom gesto eu não conseguia deixar de sentir nojo e ódio só de ver um cara sem moral nenhuma como ele ali sorrindo pra mim.
— É meu caro, doeu a surra que o comuna de merda te deu, mas até que serviu, agora eles tão mais firmes que nunca com esse plano – Eu só assenti com a cabeça – agora meu amigo João, é onde a gente entra nesse jogo; aliás, me chamo Marcos André, mas pode chamar de André mesmo; nosso plano é o seguinte, seguimos essa invenção de assalto dele até quase o final, pelo que já sabemos vai ser no banco central, depois de amanhã, vai ficar um outro subversivo com essa vadia daqui do lado de fora, e o invertido com o tal de Beto entram; aí fazemos o seguinte, nesse dia eu te solto cedo, e esperamos no bar da frente, então você trata de ficar bom logo – Ele riu, um sorriso amarelo, me dando uns tapinhas no rosto – quando ele sair outros dos nossos já vão estar de tocaia, eles põe o pé fora do banco e cada um recebe um tiro na testa ou no peito, se ficar algum vivo a gente leva pra boate … você sabe que com esses comunistas não dá pra ter conversa, mas fica tranquilo que quando te soltar te dou uma pistola, aí você acerta o viado, me dá nojo só de pensar nele dando em cima de você, esses pervertidos.
Ele saiu cuspindo no chão, eu fiquei com mais ódio ainda dele, mas ainda assim tinha um dia para tentar mudar tudo, e ia ter que fazer o jogo dele; apesar da surra, da dor, do cansaço, agora eu sabia mais que antes, começava entender bem tudo o que tinha acontecido, ou o que ia acontecer de ambos os lados, Beto e Joaquim acreditando ou não em mim eu ia chegar até o fim para salvar eles.

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