CONTO IV - DAR

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Na minha primeira vez, Rafael não fora bruto, apenas... apressado.

Como ele sempre fora em relação a tudo, na verdade. Tudo sempre tinha que acontecer no tempo dele e da forma como ele queria. Do contrário, o tom de voz aumentava, até que as pessoas acreditassem no que ele dizia. Rafael chutava coisas, ficava bêbado quando saía com os amigos e me levava a reboque, pois eu era seu troféu. E assim como um troféu eu ficava: quieta e reluzente.

Afinal, minha mãe me treinou bem para isso.

É "engraçado" como nossa memória pode ser seletiva. Pouco recordo da minha infância, apenas alguns trechos avulsos me voltam de vez em quando. Mas lembro de todos os detalhes daquela noite às escondidas: de como estávamos sentados no sofá, no escuro de sua sala, assistindo a um filme de ação, e então nos deitamos, aos amassos. De como meu coração batia depressa, de como minha barriga esfriara e meu estômago se embrulhara, de como minha intimidade ardera por não estar devidamente lubrificada, da dor que havia sobrepujado cada canto da minha vagina, até então intocada, e das lágrimas que haviam pontilhado meus olhos. Rafael murmurava no meu ouvido o quanto eu era linda, gostosa, apertada, deliciosa, e como tudo aquilo era perfeito, como ele estava tão a fim de mim... Se eu não me engano, isso acontecera um mês e alguns dias depois de termos começado a namorar. Antes de chegarmos a esse ponto, sempre que tínhamos um tempo a sós ele me alisava, me beijava com ternura e insistia para que eu colocasse minha mão dentro de sua calça, ou que eu o deixasse me tocar, porque assim "aliviaria meu sofrimento". E todas as vezes eu recuava, driblando-o, pois sabia que não estava pronta. Isso deixava Rafael impaciente, e um Rafael impaciente significava um garoto tempestuoso, impulsivo e agressivo. Ele nunca me bateu, mas eu morria de medo de perdê-lo. Perder o que parecia ser a única pessoa que me valorizava de verdade. Então eu me desculpava incessantemente, beijava-o e permitia que ele passasse suas mãos em mim até que ficasse calmo. No fim de contas, ele era mais velho, logo, era mais maduro, certo? Eu achava que era seu toque que me acalmava, seu prazer em estar comigo que abrandava meu coração, mas eu estava redondamente enganada. Em parte, esse é um dos motivos de eu ter relutado tanto contra minha atração por Zaph e postergado esse momento. Eu não cometeria o mesmo erro.

— Tem certeza de que você quer? Não precisamos fazer isso agora — pergunta ele, seu corpo enorme cobrindo o meu, e a ponta do seu nariz se esfregando na minha.

O silêncio é uma cúpula ao nosso redor. Durante preciosos minutos, parece existir apenas nós, encaixados num abraço quase casto na cama de casal no centro do quarto — no centro do mundo. Os braços de Zaph se flexionam, apoiados de cada lado da minha cabeça no colchão, sem me tocar. Tateio cada relevo de músculos e cicatrizes espalhados pela extensão de suas costas nuas sob meus dedos, e inspiro fundo. Faço de tudo para prolongar esses minutos. Ergo o queixo, um milímetro somente, para que meus lábios rocem os seus.

— Tenho. Eu esperei bastante, sabe? — confesso num sussurro espirituoso.

— Você esperou? — indaga, não somente com um tom de desdém, mas também com a sobrancelha arqueada e um sorriso que repuxa no canto.

Comprimo a fronte e premo os lábios.

— Esperei sim. — Cutuco seu peito com um dedo. — Você não tem ideia das safadezas que passaram pela minha cabeça todo esse tempo, senhor.

— Ah, eu tenho ideia sim, lembra? — Ele me copia, aproximando o rosto com um sorriso matreiro. Em seguida, hasteia o queixo, os olhos fechados. — Oh, Zaph, isso, me fode aqui na areia... — Ele afina a voz, numa porca imitação minha naquele dia horrendo na praia.

Se estivéssemos em público, eu teria ficado vermelha da cabeça aos pés. Porém, imersos na privacidade escura do chalé, sob o clima invernal da Serra da Mantiqueira e cercados pelo doce aroma de cedros e chocolate quente, eu apenas o estapeio. Zaph gargalha. O que faz seu corpo inteiro, que está em contato com o meu, vibrar.

As Aventuras (Eróticas) de Alice e ZaphOnde histórias criam vida. Descubra agora