1.Decisão

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Tenho me questionado se estou fazendo tudo que amo, ou se faço apenas porque preciso.
Nos últimos dias não tem surgido tantas oportunidades, e admito, minha vida profissional como atriz não é tudo aquilo que imaginei quando criança, aliás, boa parte da minha vida.
Preciso de um novo sentido, só isso aqui não está me dando contentamento.
Eu preciso disfarçar tal sentimento para não preocupar minha família, eles já tem muitos problemas, não preciso ser mais um.

- Droga, meu café esfriou. - Já não basta esse frio de São Paulo.
Parece que estou em uma onda de má sorte.
- Deus me der um sinal positivo. Algo que me mostre que estou no caminho certo. - Quer saber, chega de café por hoje. Melhor eu me arrumar logo, antes que eu me atrase.  - Zum - Ué, número desconhecido. Será se é aquele pessoal do presídio me ligando? Esse DDD não é daqui, é do Rio. Vou atender não, se for importante liga de novo.
Não é possível que uma ligação do presídio seja um sinal de Deus, né?!
Vou até o closet.
- Vamos ver. Humm. Qual roupa eu devo usar?
- Falando sozinha de novo, Camila?
Derrepente uma voz um pouco rouca me assusta.
- Porra! Que susto Júlia. - Ela rir como se eu fosse uma peça de circo que acabara de ver. - Péssima hora que eu te dei uma cópia das chaves do meu apartamento.
- Não fale assim com sua irmã, Camila Reis! Cadê a educação? Saiu por aí entregando-a para as paredes e por isso anda falando só?
- Vê se cresce. - Reviro os olhos.
Ela acha que é quem? Só porque é minha irmã acha que pode quase me matar e ainda vir com esse tom de deboche?
- Vou fingir que você não revirou os olhos. Me conta, qual é a dessa nova publi? - Alguém parece animada, eu também deveria está. Agg!!!
- Ah, nada demais. Rotina de sempre.
- Não! Espera! Cadê a Camila Reis que eu conheço? Não bebeu café hoje, é isso? Ou pior, seu vibrador quebrou? - Impressionante como ela só pensa em prazer. Se bem que, eu deveria sentir prazer. Não só sexualmente, mas também no trabalho.
- Meu café gelou, então... - Zum - é aquele número de novo. Olho por alguns segundos sem pensar em nada, quando Júlia fala.
- Não vai atender?
- Vou! - Respondo por impulso. Ela me olha com muita ansiedade. Júlia nem se dá o trabalho de disfarçar que quer saber quem é, e o que quer.
- Alô.
- Oi. Bom dia. - A voz é de uma mulher. Uma voz bem doce. - Por gentileza, eu falo com Camila Reis?
- Bom dia! É ela. Com quem eu falo?
- Ah que bom. Aqui é Michelle Pugliese da Brasilfilms. Tudo bem com você?
- Está sim, e com você?
- Está tudo ótimo, obrigada por perguntar. Você pode falar agora?
- Se não for demorar muito, eu posso.
- Certo. Então, na verdade é um convite que tenho para te fazer.
- E o que seria?
- Estamos realizando testes para uma série, e gostaríamos muito que você viesse fazer o teste aqui no Rio. O que você me diz? - No Rio de Janeiro? Minha nossa, muito longe.
- Que dia seria?
- Seria nesse próximo final de semana. - Eu estarei lá para realização de umas fotos. Mas ultimamente não tenho tido sorte com isso.
- Eu posso pensar um pouco?
- Claro! Hoje é segunda, até quinta você consegue me dar um feedback?
- Sim.
- Ótimo! Então até quinta. Tenha um bom dia Camila Reis.
- Igualmente.
Espero que eu realmente tenha um ótimo dia. Júlia está em um pé e outro.
- Quem era? - Maria fifi que só ela. Ainda estou processando toda essa informação.
- Uma tal de Michelle Pugliese.
- E?
- Me convidou para fazer um teste, para uma série que a Brasilfilms irá produzir.
- E você pediu pra pensar? Sério isso Camila? - Ela me olha sério.
- É... É... Vai ser no Rio, é muito longe.
- Sem gaguejar, Camila Reis. Eu não acredito que você está pondo barreiras onde não há uma vírgula de dificuldade. - Ela está certa. O teste será no mesmo dia em que eu estarei lá. Mas ainda não sei se estou preparada para mais um fracasso.
- Olha, Júlia. Eu já estou atrasada para ir. Não me atormente mais, por favor. Me deixa pensar. - Júlia é bem resolvida, estuda gastronomia. E ao que parece não está nos mesmos impasses que eu em relação a profissão. E em termos de amor, ela também está bem resolvida, tem uma namorada que super apoia ela.
- Você precisa de outras coisas também, sabia? Namorar por exemplo.
- Namorar Júlia? Eu lá tenho tempo para isso? Para de encher minha paciência com essas baboseiras. Será que você pode me ajudar escolher alguma roupa? Estou super atrasada. - Ela balança a cabeça em negação. Mas eu não me importo. Essa coisa de namorar não ficou pra mim. Eu sou um fracasso quando o assunto é amor.
- Veste esse vestido. Ele caí como uma luva em você, realça suas curvas. - Não era minha primeira opção, na verdade eu nem me lembrava dele.
- Não, esse não. É publi de lingerie, tem que ser algo mais fácil de tirar.
- hummmmmmm. Fácil de tirar - Ela me olha com cara de safada.
- Garota, sua namorada tá te negando chá, é? Hoje você tá que tá. - Ela rapidamente me dar um tapa nos ombros e sorri.
- Você é muito sem graça, Camila. Pois agora escolha sozinha. Tô indo embora. - Ela me abraça e sai. Quando a brincadeira é com ela, ela não aceita. Birrenta, coisa de irmã mais nova.
Vou com esse vestido florido, ele é muito prático.

Durante as fotos eu tive que manter o foco, mas não consegui tirar da cabeça aquela ligação e o que Júlia havia dito.
O pessoal aqui do estúdio são muito legais, me deixam a vontade. Eu gosto de estar com eles, me distraí muito, e eu gosto de pousar para fotos. Mesmo que minha mente esteja um tanto em atrito com outras coisas.
Foi um dia cansativo, como de costume, mas enfim estou em casa.
O lado bom de morar sozinha, é que eu não tenho todo aquele interrogatório de como foi meu dia. Não que isso seja ruim, mas eu prefiro só chegar, tomar meu banho, assistir alguma coisa em quanto decido o que jantar, sem indagações ou estresse. Apenas o silêncio.
Amanhã será um novo dia, eu só preciso descansar e mentalizar isso. Amanhã será um novo dia.

- Zum - Nossa, tem que ser a Júlia mesmo para me acordar tão cedo.
- O que foi, Júlia?
- E se a gente fosse hoje lá na casa do vô e da vó?
- Você quer ir agora de manhã?
- É claro. Você sabe, tomar café e comer o bolo que vó postou no grupo da família. - Eu não vi essa foto.
- Bolo de cenoura com cobertura de chocolate?
- Sim Camila, você não viu?
- Acho que não.
- Ela colocou agora de manhã. - Agg! Tá explicado porque eu não vi. Eu não madrugo igual eles.
- Você sabe que eu não gosto de acordar de madrugada como vocês. Como eu poderia ter visto?
- Vamos, se mecha. Tô aqui na frente te esperando.
- Você é chata.
- Também te amo.
Eu sei que 6:00 AM não é madrugada, mas eu poderia ter dormido um pouco mais. Mas eu amo meus avós, então eu vou desculpar Júlia por me acordar tão cedo.
Me arrumei como um flash, e desci. Lá está o carro de Júlia. Me aproximo e entro no banco de trás.
- Milena, você precisa dar um jeito nessa sua namorada, onde já se viu me acordar tão cedo?! - Brinco. Ela sorrir.
- Bom dia para você também, maninha. E não adianta apelar para Milena. Se eu não te chamo você ia ficar a minha vida inteira falando disso.
- Eu tô brincando com você. Chata! - Reviro os olhos. - Como vocês estão?
- Estamos bem! - Responde Milena.
- E a proposta de ontem, já pensou sobre?
- Ainda estou pensando.
- Ah, para! Vai lá fazer o teste, você não perde nada por tentar.
- Perder, perder, eu não perco, mas também não ganho se nada der certo.
- Cunhadinha, não pense assim. Você é muito boa no que faz.
- Gente, vamos focar na estrada?! O trânsito de São Paulo não dorme, e eu quero comer daquele bolo. - Elas continuaram conversando entre si, e eu fiquei perdida nos meus pensamentos.
Não queria ter lembrado daquela ligação.

Por sorte chegamos a tempo de ainda achar bolo, que por sinal é sempre gostoso. Júlia nunca conseguiu que a vovó dissesse o que ela faz para que esse bolo seja tão delicioso. Então se Júlia que ama cozinhar não conseguiu, eu nem tento.

- Vô, sabia que a Camila foi convidada para fazer um teste na Brasilfilms? - Eu já disse o quanto a Júlia é chata? Não acredito que ela fez isso.
- É sério, Camila? E quando vai ser? - Fala ele todo sorridente.
- Aí que está o problema, vô. - Fala Júlia antes que eu possa responder.  - Ela não aceitou ainda. Pediu tempo para pensar. - Olho para Júlia com vontade de enforca-lá.
Ele faz cena com a cabeça para que eu o siga. Júlia conseguiu o que queria.
- O que está acontecendo? Você não está bem?
- Estou bem sim. O problema é que as gravações será no Rio de Janeiro. Não sei se caberia na minha agenda. - Ele me abraça e sorrir. Esse abraço é tão bom e forte. É como se a paz de todo o universo fosse ali, dentro daquele abraço. Ninguém nunca terá um abraço como o dele.
- Se na sua agenda tem espaço para um bolo de cenoura, talvez tenha para outras coisas. - E a pensar de esse não ser o real motivo, eu me sinto mais leve depois de ouvir isso. - E eu sei que você fará o que for melhor para você.
- Mesmo que seja não ir?
- Mesmo que seja não ir! - Ele me solta aos poucos e me dar um beijo na testa. - Você sabe que pode contar sempre comigo, não sabe?!
- Obrigada, vô. Eu te amo! - Mesmo que eu me arrependa futuramente, já sei o que devo fazer.

Quando Você Me TocaOnde histórias criam vida. Descubra agora