Eda Yıldız
Eu estava atrasada.
Já passavam dez minutos desde o horário marcado com um dos meus antigos professores da universidade e eu odiava cada segundo que se passava.
Uma das coisas que mais me enfureciam eram atrasos, principalmente os meus.
Doutor Kemal Özcan era um homem muito ocupado e eu me sentia honrada por ter o privilégio de compartilhar o único período livre do dia para ouvi-la sobre um paciente e dar sua opinião profissional. Como uma consultoria médica. Ele era um dos melhores neurologistas da cidade. Ter sido aluna dele, durante a graduação, foi um dos motivos mais relevantes para a minha escolha de especialidade. Mas, diferente dos demais alunos da grande turma, eu o considerava mais que um mestre. O considerava meu amigo.
Estacionei o carro o mais rápido e habilidosamente possível, desliguei o carro, pegando minha bolsa e a pasta de exames do meu paciente, e sai do veiculo equilibrando meus pertences e um copo de café quente e forte nas mãos.
Cruzei o estacionamento meio lotado de carros – tanto de alunos quanto de professores – às pressas e adentrei o edifício pelas pesadas portas duplas de madeira do bloco de saúde. Mesmo tendo terminado o curso de medicina há alguns anos, cada detalhe da planta baixa da universidade estava gravado em minha memória.
O som dos meus saltos soava pelo corredor principal vazio à medida que eu caminhava em direção à sala dos professores aonde marquei o ponto de encontro com o doutor Kemal. A falta de alunos nos corredores confirmava o quanto eu estava atrasada. As instalações ficavam repletas de universitários a espera do último segundo para entrar na sala de aula.
A soar da sineta de notificação do meu telefone dentro do bolso do blazer me chamou a atenção. O peguei, rapidamente, e conferi a barra de notificações. Uma mensagem de Kemal dominava a tela.
Eda, onde você está?
Suspirei derrotada e avancei pelo corredor, apressada.
Trabalhamos juntos por tempo suficiente durante a minha graduação para desenvolvermos um forte sentimento de amizade e Kemal me conhecia bem o suficiente para saber o meu ódio por atrasos. Ele sabia que minha demora era incomum.
Os rumores sobre nossa amizade começaram nos últimos meses do curso, mas ela era bonita e saudável para ambos os lados. Lembro-me de ficar mal pela difamação a nosso respeito que corriam pelos corredores. "Nós sabíamos a verdade e isso bastava" era o que Kemal repetia a cada olhar torto que lançavam para eles.
Eu o lembrava da filha falecida há quase 10 anos em um acidente de carro na noite e natal e ele agia como o pai que com quem não convivi.
Comecei a digitar uma resposta rápida quando sinto algo, ou melhor, alguém esbarrar contra meu corpo. Não consegui disfarçar o susto com o choque, apenas sinto meu telefone cair e meu café quente derramar em cima da pessoa desconhecida com quem trombei sem querer.
Levantei minha cabeça, temerosa, e encarei a vítima da minha distração, preparando-me para o quanto a ouvirei a reclamar. Olhei fixamente para a pessoa a sua frente. Era um homem. Prendi a respiração. Ele era lindo. Os cabelos castanhos desgrenhados contrastavam com a pele bronzeada sem barba e com os olhos escuros curiosos que me encaravam. Um sorriso charmoso iluminava o rosto dele.
Caminhei os olhos pelo homem diante de mim e arregalei-os ao ver a mancha marrom macular a blusa social – antes perfeitamente branca – dele.
-Desculpa! Desculpa! – disse desesperada e surpresa – Eu estava distraída e não te vi.
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Reticências
Diversos"Em qual momento, ao longo da vida, devemos por um ponto final? Em quais, uma simples reticências já seria o suficiente? Desconhecidos diante de todos. Amantes às escondidas. Um amor desgastado por tantas despedidas é levado ao limite. Apreensiva pe...