Capítulo Onze

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Eda Yildiz

Encarei meu reflexo no espelho pelo milésima vez no decorrer dos últimos quinze minutos e suspirei cansada.

Gotas salgadas de suor deslizavam preguiçosamente por minha pele quente e ruborizada pelo esforço, escorrendo por minha nuca e esgueirando-se pelo pescoço e pelas costas. A roupa de ginástica abraçava-me como uma segunda pele, o que me deixava confortável para esfriar a cabeça.

Em meio a loucura da cidade grande ficou difícil encontrar um lugar onde eu pudesse ficar sozinha e tentar calar os ruídos mentais ensurdecedores que carrego comigo. A minha primeira tentativa de refúgio foi o berçário do hospital. Era relaxante apreciar a inocência em cada pequeno ser humano repousando em seus berços à espera de rever a própria família e irem embora. Irem conhecer sua casa pela primeira vez. Nos primeiros meses, conturbados do trabalho, foi suficiente, mas, durante os anos do meu internato cirúrgico, eu precisava de algo mais eficiente.

Eu precisava de algo a mais.

Até que encontrei o lugar perfeito. Que me ajudasse a esquecer de tudo. Que fizesse bem à minha mente e ao meu corpo. Para isso algumas pessoas preferiam levantar pesos na academia. Outros saíam, com seus fones, para correr pela cidade ou descontam em vários pratos de comida.

Eu concentrava-me em dançar. Malhar. Fazer algum exercício.

Levantei-me do piso de madeira, peguei o telefone e apertei play na música antes de me posicionar diante da longa parede de espelhos.

O som inconfundível do derbak ecoou pelo salão e o barulho das moedas em volta da minha cintura acompanhava-me a cada movimento. Respirei fundo e conduzi meu corpo com fluidez, seguindo o ritmo contagiante da música árabe que soava em meus ouvidos.

Minha mente tentava, aos poucos, se acalmar. Controlar o turbilhão de emoções que persistiam no interior do meu peito.

Eu seguia cada batida com intensidade. Meus braços cortavam o ar com delicadeza em uma dança coreografada. Meu quadril subia e descia alternando batidas lentas e aceleradas em ressonância a velocidade oscilante da melodia. Senti a parte superior do meu corpo desenhar oscilações líquidas em passos femininos e sensuais característicos.

Fechei os olhos.

A imagem de Serkan machucado dando entrada na emergência me deixou nervosa. Minhas mãos suavam com a possibilidade de tê-lo perdido diante dos meus olhos. Ao toque das minhas mãos.

Senti minhas pernas falharem e o shimmie que vibrava por cada célula do meu corpo foi interrompido, cessando minha sequência antes da música que ecoava alto pelo salão.

Ninguém próximo de mim sabia da minha válvula de escape.

Nem Serkan. Nem Ceren. Nem Ferit. Nem minha mãe.

Era apenas meu refúgio e eu. Um lugar escondido no final de um corredor de salas em uma academia de dança. A dona era uma paciente antiga. Trabalhava como professora de dança para adolescentes e crianças, mas foi parar no hospital depois de desmaiar e ser diagnosticada com um aneurisma cerebral prestes a romper. Ela sobreviveu a uma difícil cirurgia nos últimos anos da minha residência em neurocirurgia. Não parava de me contar sobre suas competições e apresentações de dança em teatros ao redor do mundo ao longo da sua carreira durante os exames. O convite para conhecer o lugar veio quando ela teve alta.

Demorei algum tempo para finalmente visitá-la.

Ela me ensinou a dançar, a desenvolver amor-próprio e a trabalhar o meu autoconhecimento.

- Você não está com a cabeça na dança.

Cruzei meu olhar com o dela através do espelho. Aylin estava apoiada na soleira da porta com os braços cruzados sobre o peito, encarando-me com seus olhos grandes e bem marcados com toda a maquiagem que ela carrega todos os dias em seu rosto.

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