II - Compasso de espera

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Trindade cumpriu as primeiras tarefas do dia e voltou em casa para almoçar com Irma. A gravidez estava avançada, e ele procurava estar mais por perto nos últimos dias. Já havia algumas semanas que a princesa se afastara da escola, deixando as crianças aos cuidados de Guta e Rute.

Ao entrar na sala, Xeréu estranhou o silêncio. Ficou mais preocupado ainda ao não encontrar a esposa nem na cozinha. Então foi até o quarto, e sentiu alívio ao vê-la recostada na cama, mas ao mesmo tempo correu até ela sobressaltado:

- Minha princesa! Ocê não está bem? Na cama até agora... Começou a sentir as dor? - ele segurou as mãos dela e também acarinhou o ventre.

- Estou só cansada, essa barriga pesa a cada dia mais. Nenhuma contração ainda, Madeleine não parece querer sair do forninho - Irma sorriu, passando a mão na barriga e encontrando os dedos de Trindade.

- Mas já está em tempo... - o peão ficou pensativo

- Sim, a qualquer hora nossa menininha pode chegar.

- Então vou falar com o Joventino, avisar que não posso ir na comitiva amanhã.

- Mas, Trindade, é o seu trabalho...

Xeréu encarou a esposa muito decidido:

- Dessa vez, quero estar do seu lado em cada minuto. Vou deixar a Filó de sobreaviso também. E o principezinho, tá com dona Mariana?

- Deve estar obrigando a avó a ficar em volta dos cavalos, nunca vi gostar tanto.

- Filho de peão, queria o quê? Logo vai sair com o pai em comitiva...

Irma levou a mão ao peito, como se segurasse o coração:

- Tá maluco, né, Trindade? Sair com uma criança nessas estradas...Meu filho você não leva.

- Ele vai estar na garupa do pai dele, não tem perigo - ele retrucou com uma piscadinha - E claro que não vai ser tão logo, vai demorar uns anos ainda.

- Muitos anos, eu espero! Seu doido...

- Doido por ocê! E pelos nosso fiote... - ele beijou sua princesa e saiu, enquanto ela balançava a cabeça para os lados, rindo das ideias dele.


O violeiro entrou na casa principal pela cozinha. Filó mexia nas panelas, mas ligada como sempre, logo o viu e já foi perguntando:

- Começou as dor da Irma?

- Ainda não... mas ela nem saiu da cama hoje. Acho bom a senhora ficar preparada.

- É, tá virando lua essa noite, é tempo de nascer menino... ou menina, no caso. Fica sossegado, assim que ela começar com as dor ocê me dá um grito que eu vô na mesma hora - Filó respondeu com seu sorriso acolhedor - E vai dar tudo certo, confia.

- Confio sim, Filó. Sei que minhas princesa vão estar em boas mãos - afirmou o peão, embora seu olhar mostrasse preocupação.

- Quem te viu e quem te vê, hein, Trindade... chegou nessa fazenda todo garboso, filhote do cramulhão, cheio das certeza... e agora tá todo agoniado, assustado com um parto.

- É medo de perder o que tenho de mais precioso na vida. Minha princesa e nossos fiote me tiraram da escuridão, e não quero voltá pra lá nunca mais - a voz dele chegou a ficar embargada.

- Ô home, acalma esse coração, que logo ocê vai tá com uma princesinha de zóio azul nos braço, todo babão.

Trindade concordou sorrindo e seguiu para dentro de casa, onde Jove e Tadeu acertavam os detalhes para a viagem do dia seguinte:

- Que bom encontrar ocês dois aqui, assim falo de uma vez - comentou Xeréu, entrando no escritório.

- Tarde, peão! Pronto pra comitiva? - perguntou Tadeu, enquanto se servia de um tereré.

- É sobre isso mesmo que vim conversar. Irma deve ganhar nossa menina por esses dias, e quero estar ao lado dela. Assim, se o patrão me der licença, vou ficar de fora dessa comitiva.

Jove concordou,sinalizando também com a cabeça:

- Poxa, Trindade. Da minha parte, você está mais que liberado. Minha tia e minha afilhada precisam de você mais do que a peonada. Né, Tadeu? - ele perguntou lançando um olhar que era quase uma ordem.

- Claro, a gente se vira - o irmão confirmou com uma expressão de quem não tinha gostado muito, mas sabia que o caçula estava certo. O Leôncio do meio já tinha aprendido a conter mais seus impulsos e tentar ser gentil - Boa hora pra dona Irma.

- Agradecido - o violeiro respondeu com um sorriso aliviado.


Trindade entrou em casa carregando dois pratos embrulhados em um pano:

- Filó mandou uma bóia pra nós, e tá com um cheiro bom.

- Ah, tô sem fome. Como dizem por aqui, já estou de "bucho cheio" - Irma brincou, alisando a barriga.

- Mas ocê precisa estar forte pra trazer nossa princesinha ao mundo - ele colou seu ouvido ao ventre por alguns instantes - E ela tá dizendo que quer o carreteiro da madrinha Filó.

- Bobo... - a esposa sorriu, apesar do cansaço.

Xeréu abriu o embrulho, serviu um pouco de carreteiro numa colher e aproximou da boca de sua princesa.

- Vamo, passarinha do bico doce... só um bocadinho - ele pediu em tom carinhoso.

- Adoro como você me mima - comentou ela entre uma colherada e outra - Já estou até me sentindo mais disposta.

- Que bão. - Trindade sorriu, enquanto Irma pegava o prato das mãos dele e comia com vontade. Ele pegou o outro prato e também fez sua refeição. Depois recolheu as louças vazias - Vou levar de vorta pra Filó e de lá parto pra lida, mas quarquer coisa diferente...

- ...eu ligo pro celular do Jove e ele te chama correndo.

- Venho voando - o violeiro antes de ir, deu um delicado beijo nos lábios de sua princesa - Te amo!

- Te amo! - ela retribuiu.

Então ele deu um beijo na barriga de Irma:

- Te amo, princesinha.


Durante a noite, Trindade foi despertado pelos movimentos da esposa, que se contorcia na cama.

- Começou! - ele sentou-se na cama, esfregando os olhos.

- Sim, começou - ela confirmou, pausando para respirar fundo - mas não precisa chamar a Filó ainda, as contrações estão bem espaçadas.

- Tem certeza?

- Tenho, não tem necessidade de atrapalhar o sono da comadre.

- Que eu faço, então?

- Só me abraça... ou melhor, massageia minhas costas, aqui perto do quadril?

- Vem cá - ele abriu as pernas para que Irma ficasse entre elas, de costas para ele, e começou a massagear. Entre uma e outra contração, em que Trindade afastava as mãos, ela foi relaxando até se recostar no corpo dele e até cochilar um pouco. Ele ficou admirando sua princesa, e cochilou por alguns minutos também.

De repente, foi despertado por um grito de Irma:

- Aiiii!

- Princesa!

- Tá mais forte! Chama a Filó! Nossa filha vai nascer!

Momentos Felizes da família Novaes TrindadeOnde histórias criam vida. Descubra agora