PRESENTEAs portas plásticas que dão acesso a cozinha se abrem, ela passa depressa e visivelmente ansiosa, seus olhos pairam sobre a multidão até colidirem com o verde dos meus. Um pequeno sorriso de alívio se forma em seu rosto e vem em minha direção.
- Srª Clarke perdoe-me pelo contratempo, meus garçons não foram informados de sua presença, sinto muito pelo incoveniente. O jantar será por conta da casa. - A expressão de constrangimento e apreensão em sua face ainda é a mesma de dez anos atrás. Por algum motivo uma pequena parte de mim esperava que ela me reconhecesse, mas agora tendo-a aqui frente a frente percebo que talvez nem se lembre de minha existência. Não a culpo, faz muito tempo e eu também preferiria me esquecer.
- Não se preocupe, foram apenas algumas fotos. Agradeço por estar sozinha, caso contrário cada site de fofoca do país declararia um novo afair para mim. - Digo em uma risada.
- Simon! - Grita para um dos garçons que atravessa a porta. Ele vem até nós com uma cúpula de aço e a deixa em minha mesa. - O especial da chef, espero que compense o aborrecimento. - Fala se distanciando voltando pra sua cozinha, quando de repente volta até minha mesa e retira uma caneta e um bloco de comandas do bolso. Ela escreve algo no papel e o dobra colocando em minha mão, dessa vez saindo depressa. Decido que só abrirei quando estiver indo embora, talvez tenha se lembrado, talvez saiba quem sou de fato. Obviamente ela me conhece, Eve Clarke é um dos nomes mais falados na televisão americana nos últimos dois anos. Meu programa tem ido ao ar constantemente todas as segundas, quartas e sextas em horário nobre, é praticamente impossível não me conhecer se em sua casa houver pelo menos um aparelho móvel ou de rádio. Porém não quero saber se ela conhece Eve Clarke, todos conhecem, quero saber se ela conhece e se lembra de Jade Eve Clary.
DOZE ANOS ATRÁS
Alissa, esse é o nome dela, a caloura de gastronomia do segundo andar. Quero dizer, pelo que ouvi esse deve ser seu nome. Ela se matriculou a mais ou menos um mês, e a vi desde o primeiro dia em que colocou seus pés aqui. Seus olhos cor de noite são tão intensos que os sinto perfurar minha alma quando nos vemos pelos corredores, tentei até puxar algum assunto semana passada em uma festa da faculdade que ambas estávamos, entretanto, perdi totalmente o foco quando uma garota a puxou pela cintura e a beijou. Depois disso trocamos uma ou duas palavras na fila do refeitório ou nos encaramos quando cruzamos em algum lugar. Essa garota está me enlouquecendo sem nem ao menos perceber. Hoje é sexta-feira, a aula encerrou mais cedo devido a reparos em uma parte do prédio. Saio o mais rápido que posso, de acordo com o aplicativo de transporte público estou a dois minutos de perder meu ônibus e depois desse posso embarcar somente daqui uma hora. Corro tão depressa que minha barriga dói e o ar me falta, tudo em vão pois a menos de dez metros do ponto vejo o ônibus partir e me deixar para trás.
- Mas que porra! - Xingo para o ar. Sento no único banco de madeira confiável e faço a única coisa que me resta, espero. Coloco fones de ouvido e uma playlist aleatória na esperança que o tempo passe mais rápido, quando uma moto para bem em minha frente.
- Quer uma carona? Vi que perdeu o ônibus. Eu moro a duas ruas da sua casa, então acho que posso ser útil. - A voz feminina fala. Nem sequer me levanto de onde estou, aliás é totalmente previsível que eu não vá aceitar subir na moto de uma desconhecida, até que percebo que não é uma total desconhecida e sim ela. - Vamos começar de novo. - Diz percebendo minha intrigação e desconforto. - Prazer, sou a Alissa. Você me encara constantemente pelos cantos da faculdade e tenho quase certeza que estava indo falar comigo naquela festa, é claro, se a minha ex não fosse tão incoveniente e aparecesse nesse momento. - Ela me notou. É tudo que consigo pensar. Minha boca não articula nenhuma palavra e quando consigo por fim dizer algo simplesmente balbucio.
- Como sabe onde eu moro? - Não sei se é pelo tom de minha voz ou por minha cara assustada mas ela abaixa o visor do capacete deixando os olhos visíveis, tentando manter contato.
- Acho que estou me complicando um pouco. - Sorri envergonhada. - Meu irmão é seu vizinho, vou algumas vezes por semana na casa dele e te vi entrar três ou quatro dias na mesma casa, então suponho que seja a sua. - Provavelmente meu rosto está estampado com surpresa, pois ela me olha curiosamente. - Quer saber, me desculpe por isso. Eu deveria ter lhe chamado a atenção de outra forma, foi uma péssima ideia te abordar assim.
- Aceito.
- Como?
- Aceito a carona. Meu próximo ônibus é somente daqui a uma hora e não me parece muito interessante ficar sentada aqui todo esse tempo. - Sorrio, subindo na moto. Alissa -agora tenho certeza que é seu nome- faz o percurso em quinze minutos, o que sinceramente não me agrada tanto, estar com minhas mãos em sua cintura me parecia uma ideia melhor.
- Prontinho, em casa. - Tira o capacete e o cabelo castanho escuro ondulado recai sobre o rosto.
- Eu te convidaria para entrar, porém como estou sozinha e você é praticamente uma desconhecida creio que não seja uma boa ideia. - Solto um riso nervoso.
- Se quisesse fazer algo com você já teria feito, esteve sob meu controle por quase vinte minutos. - Por algum motivo o timbre de sua voz faz meu corpo arrepiar e pensar nem que por um segundo que talvez queira que ela esteja em meu controle.
- Se seu objetivo era me assustar conseguiu. - Digo forçando uma expressão de medo.
- Não, eu só estava...
- Estou brincando. A propósito meu nome é Jade. - Falo virando as costas em direção a porta de minha casa.
- Ei, Jade! - Exclama antes que eu me afaste por completo. - Para eu não ser uma completa desconhecida. - Ela pega uma caneta na bolsa e anota um número em meu ante braço. - Até mais. - Liga a moto e da partida sem dizer mais nada, me deixando parada na calçada, sozinha e com um sorriso estampado, sem saber ao certo o que acabou de acontecer entre o momento em que saí da faculdade até aqui.
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Se não fosse você...
RomansaAlissa e Jade se conhecem na faculdade, ambas em cursos diferentes, as duas se relacionam por um tempo porém uma traição as separa. Dez anos depois um reencontro acontece, será que a mágoa será mais forte que o amor?