Fazia um lindo sábado aquela manhã, as folhas das enormes arvores da floresta farfalhavam e balançavam com o vento ameno. Os pássaros começavam a cantar em sintonia anunciando um novo dia, conforme o sol avançava sobre o céu azul. A trilha começava a tomar forma depois de alguns minutos caminhando pela floresta densa. Era tudo muito lindo, se não fosse pelos flocos pretos de cinzas que caiam preguiçosamente do céu. Tremi ao lembrar de onde vinham aquelas cinzas.
Quando cheguei ao parque municipal, avistei um grupo de pessoas que se exercitavam. Vesti minha jaqueta e apertei o passo para que eu não fosse vista. O que no primeiro momento, pareceu funcionar.
As ruas estavam vazias aquela manhã, o que me tranquilizou já que o caminho a pé para casa seria longo. Meu coração estava extremamente acelerado, mas em minha cabeça tudo era um enorme vazio. Eu não conseguia pensar em absolutamente nada. Eu só queria chegar em casa e tomar um banho. Em algum lugar da minha sanidade dizia que meu braço estava doendo por conta de uma queimadura de 3° grau, mas minha loucura não sentia dor.
Apertei os passos da corrida quando escutei ao longe barulho de sirenes. Nesse momento, comecei a correr no meio da rua, por entre os poucos carros que circulavam, levando ao pé do ouvido buzinadas profundas de motorista irritados com a minha imprudência. Aquilo me fez rir. A sensação de estar sendo imprudente, colocando a minha vida em risco, depois de ter colocado fim a duas vidas inocentes e mesmo assim sentir medo de ser atropelada. Era muito egoísmo da minha parte.
Assim que cheguei na portaria de meu prédio, mal pude explicar a mim mesma como eu chegara ali. Simplesmente só havia um borrão do caminho até em casa em minha memória. Passei correndo pelo seu Jorge que me cumprimentou com um bom dia caloroso, mas não foi correspondido. Entrei a passos largos dentro do apartamento, tirando as roupas que eu sentia grudar em meu corpo. De fato, a jaqueta de couro grudou em minha pele queimada do braço direito, o que me fez gritar desesperadamente de dor. Cai desfalecida no chão frio e me encolhi em posição fetal, finalmente sentindo a dor do braço queimado pelas chamas da casa do Theo.
Em um súbito momento de lucidez, minha cabeça começou a pensar novamente. Daqui a poucos minutos todos saberiam da tragédia na casa do Theo e iriam me procurar. Pensei nas milhares desculpas que eu poderia dar a respeito do meu braço, mas nenhuma delas me convenceu, muito menos convenceria aos outros. Essa era uma bagunça ao qual eu não conseguiria limpar, nem mesmo se eu decepasse o braço.
A realidade me atingiu tão forte quanto um soco no estomago. Não havia como fugir desta vez. O seu Jorge seria uma testemunha de que eu chegara desnorteada pela manhã após o incêndio na casa do Theo. Meu braço seria um indicativo de que eu estive em contato com fogo. Até a pessoa mais leiga ligaria as peças daquele quebra-cabeça. Bati forte em meu rosto com a mão boa, como forma de me castigar por ser tão descuidada.
A adrenalina voltara a meu corpo tão rápido que me fez levantar do chão em um pulo. Eu precisava fugir.
Com uma toalha em minha boca para não gritar, coloquei o braço queimado embaixo da água fria. A água escorria levando com ela todo o sangue coagulado. Meus olhos lacrimejavam enquanto eu reprimia um grito.
Procurei no meu kit de primeiros socorros gazes para cobrir o ferimento e acabei achando também uma pomada para queimaduras – o que era totalmente inútil para aquele ferimento, mas era o meu único recurso disponível. Cobri meu braço com a gaze e logo em seguida vesti uma calça e uma blusa de moletom. Coloquei em minha bolsa algumas peças de roupas, meu notebook e meus documentos.
Olhei ao redor do meu mini apartamento. Sentiria falta de cada detalhe e de cada momento ali vivido. Em cima da minha escrivaninha, Theo deixara um bilhete em um post-it rosa na última vez que ele esteve aqui, ao qual dizia: "Você é como um donut extremamente recheado: uma delícia. Se cuida, princesa". Guardei aquele bilhete em minha mochila.
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Querido Thomas
RomanceApós a morte de Thomas, seu primeiro amor, Jade escreve todos os dias e-mails direcionados a ele, na tentativa de preencher o vazio deixado por sua partida precose. A história acompanha a tentativa desesperada de Jade em seguir em frente, enquanto l...