Cupido

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Não sei quanto tempo faz,
Nem da desgraça que me meti,
Fui inventar de voar o mundo
E no sertão me perdi,
Encantado pela a morena de lábios de jambo
Que morava por ali.

Se me lembro bem, foi depois das sete
Noitinha tranquila, pouco vento
Deitei debaixo de uma árvore,
Ali no sereno,
Tirei dois cochilos,
E me esqueci do tempo.

Acordei desnorteada,
Caçando meu arco e minhas flechas,
Só tinha folha seca onde eu tava,
Me desesperei e levantei com pressa
Fiquei tonta e cai no chão,
Com um baita galo na testa.

Um pouco ao longe eu avistei,
Um vulto correndo na minha direção,
Eu fiquei assustada e voei para trás,
Com medo dessa estranha assombração,
Mas me dei conta que era um bela mulher,
Que nem precisou de magia para roubar meu coração.

Eu sumi entre as copas das arvores,
Sem saber como recuperar
Só tava com a roupa do corpo
E pensei que fosse melhor esperar
A moça se distrair um pouco
Para eu lhe roubar.

Roubar o que era meu,
Apesar de não gostar da ideia,
Nessa minha calma desnecessária,
Já tinha se passado um bocado de décadas,
Quando me dei conta que eu estava enfeitiçada,
A moça tinha ficado velha.

Até hoje não sei por que demorei tanto,
Nem sei por que tive medo dela,
A mulher sempre me chamava na calada da noite,
Mas eu só ficava na janela,
Talvez fosse o medo dela se decepcionar,
Ou por que eu não queira dizer adeus a ela.

“venha aqui, meu lindo cupido,
Eu sei quem é você,
Passei mais de setenta anos,
Tentando te convencer,
De que nenhum mal eu faria a ti,
Nem que iria te prender”

A voz dela estava fraquinha,
Disse as palavras num sussurro lento,
Esticando a mão em minha direção,
E enfim eu entrei para dentro,
Sentei ao lado dela,
Notando que ela tinha pouco tempo.

“Nunca achei que fosse um dia conhecer,
Um ser tão lindo como ti,
Guardei teu arco e tuas flechas,
Naquele baú ali,
Queria ter tido mais coragem,
E não ter feito você fugir”

“Eu nunca fugi” eu disse a ela,
Mas isso era uma mentira,
Como eu ia dizer para ela,
Que o amar eu não podia,
Ter nem desejar,
E ser feliz nessa minha vida.

“Nunca me casei, cupido,
Nem mesmo filhos eu dei a luz,
Me apaixonei por você naquele dia,
Mas isso não faz jus,
Ao tanto que eu me dediquei,
Em tentar ser o que um dia fui.”

“O que está tentando dizer?” perguntei a ela,
Segurei sua mão gelada,
Ela já estava em seus últimos suspiros,
E ficou um tempo calada,
Me olhou no fundo dos olhos,
E deixou escapar uma lágrima.

“Não sou mais jovem nem bonita,
Não tenho mais força para ficar de pé,
Vivi tentando achar um jeito de me manter viva,
Mas tudo que fiz foi perder a fé,
Devia ter deixado suas coisas na janela,
Como fiz com o café.”

Ela fechou os olhos devagarinho,
Soltou minha mão, desfalecida,
Passei a coberta sobre ela,
E peguei minha auréola divina,
Tirei um pedaço e pus no peito dela,
Para que ela fosse feliz em sua outra vida.

Tirei minhas coisas do baú,
E sai da casa voando da janela,
Me culpando por não ter dado,
Nem sequer o beijo nela,
Mas eu sabia que não devia me apegar aos humanos,
E o meu pecado consumiu a vida dela.

Meia Unidade de Sol, Lar e IdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora