Segundo conto: Iara

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 IARA

Era o primeiro dia de Iara na escola do pequeno município General Carneiro¹. Ela era da aldeia Meruri, da tribo indígena bororo; Boe, como eles se autodenominavam. Filha do Bári², sabia que tinha a responsabilidade de resguardar e proteger as tradições de seu povo, mas também tinha conhecimento das invasões dos garimpeiros de diamantes. Tudo isto deixava a jovem desolada e cada dia mais frustrada. Sabia que deveria fazer alguma coisa, mas não sabia nem por onde começar.

Foi quando surgiu a oportunidade de estudar, através de uma organização a favor das tribos indígenas das redondezas.

— Seu primeiro dia, aqui?

Um garoto alto e magro de pele negra e olhos castanhos se aproximou dela, mais curioso em saber quem era a aluna nova do que qualquer outra intenção.

Iara olhou para ele, sem nenhum interesse a princípio. Meninos tinham sérios problemas em fazer perguntas idiotas, pensou.

— Você veio daquela tribo, não?

Ela se virou para ele, com as mãos na cintura em posição de enfrentamento.

"Daquela tribo"? – Falou, com um olhar desafiador.

— Desculpa! Eu não tive intenção de ofender, garota! Olha, como posso consertar isto? – Disse, se afastando dela.

Ela coçou o queixo, pensando como se livrar dele. Mas, também não queria passar a ideia errada de que seu povo era um bando de selvagens.

— Olha, só. Não precisa se desculpar, ok? É só me deixar estudar em paz e tudo vai dar certo!

Ele ficou olhando fixamente para ela, sem falar nada.

— Meu nome é Iara e o seu?

— Jonas. Prazer, Iara! – Sorriu largamente, mostrando seus dentes brancos.

— Sei que vocês estão se conhecendo, que ter uma menina nova em sala de aula é tudo de bom, mas vamos deixar para o intervalo, casal aí do fundo!

A voz grave e rouca do professor, chegou até os dois, como uma onda de eletricidade e vergonha. A aula toda acabou rindo, fazendo Iara se remexer na cadeira, furiosa com ela mesma.

No intervalo da aula, algumas meninas vieram cumprimentá-la e dar as boas-vindas. Era uma escola precária, mas para Iara, isto não contava muito, pois nunca se preocupou com estes detalhes. Desde que pudesse aprender bem e poder ensinar as crianças menores da tribo, para ela estava perfeito.

— Oi? Posso sentar aqui, contigo?

Iara olhou na direção da voz e era o garoto do sorriso de comercial de creme dental.

— Tem placa impedindo? Não. Então, senta, ué!

— Você não foi com a minha cara ou é algo com minha cor? – Falou, sentando ao lado dela, contrariado.

— Não seja ridículo!! – Gargalhou, colocando as mãos no rosto. – Sou indígena! Não sei se deu pra notar! Por que diabos eu iria me importar com a cor da sua pele?

— Sabe que pensei que era bronzeamento artificial? – Riu.

— Ah, claro! Deve ter sido na mesma clínica estética que você foi, não?

— Sim! Só que, no meu caso, exagerei na dose! – Riu, bebendo um gole do refrigerante que tinha nas mãos. – Quer um gole?

Ela sacudiu a cabeça em negação. Não suportava nem o cheiro daquela bebida cheia de gás.

— Não, obrigada. Eu não aceito e não é porque sou indígena, viu? É porque este gás me deixa estufada! – Riu.

— Cê tá certa! Nem sei porque tô tomando isto! Nem quero mais! – Sorriu.

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