Nono conto: Gabriel

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GABRIEL

Era uma manhã de outono em uma cidadezinha gaúcha. Os alunos da escola municipal estavam sentindo já o ar frio que anunciava o fim da meia estação. A professora de matemática, passava mais alguns exercícios aos vinte alunos, que em silêncio, copiavam em seus cadernos, sem erguer os olhos para o lado.

Menos um menino franzino, de cabelos castanhos dourados.

— Gabriel! Presta atenção na aula, guri! — Berrou a professora, batendo na lousa. — É a segunda vez que te pego rabiscando o caderno, sem copiar os exercícios!

O menino loiro, de olhos castanhos esverdeados, parecia totalmente absorto no que estava desenhando, que nem prestou atenção nas vaias dos colegas e a professora que se aproximava dele, gritando. Para ele, estes momentos simplesmente surgiam e tinha uma necessidade imensa de desenhar. Maior que sua sensatez, diante do perigo eminente que se aproximava dele.

— Eu não disse para tu parar de rabiscar? — Falou a professora, pegando-o pelo braço. — Vem comigo! Vamos pra secretária, agora!

— Mas, eu não fiz nada, "fessora"! — Gabriel, falou.

— Exatamente! Tu não copiaste nenhum exercício do quadro! Já é a segunda vez! — Ia arrastando o garoto magrinho, para fora da aula.

Ele não protestou. Preferia sair de aula e ficar sentado na secretaria, de castigo do que suportar o barulho dos colegas e o som irritante do giz na lousa.

Ao entrarem, foram recepcionados pela jovem auxiliar da secretaria de coordenação da escola.

— Bom dia, professora Isaura? Algum problema?

— Este é o problema! — Falou, sacudindo Gabriel pelo braço. — Eu gostaria de deixá-lo aqui e que a coordenadora chame um responsável.

A moça olhou Gabriel indiferente. Não conhecia os alunos e não era raro surgir algum professor com um aluno problemático pelo braço.

— Por favor, assine a ata, explicando a causa de trazê-lo e deixe ele comigo, que assim que ela voltar da reunião com o diretor Nelson, passo para ela. — Sorriu, educada.

A professora largou o braço do menino, já marcado pela pressão dos dedos dela, e iniciou a escrever uma longa reclamação do aluno.

Gabriel olhava distraído para a janela atrás da moça, onde um pé de goiabada estava carregado e alguns pardais iam e vinham, fazendo festa por entre os galhos.

— Sabiam que os pardais não são originários do Brasil e vieram da Europa por volta de 1903, quando o prefeito da época do Rio de Janeiro, Pereira Passos, autorizou a soltura deste pássaro exótico proveniente de Portugal. No início era apenas um casal e hoje, estão em bandos pelo Brasil todo. — Disse Gabriel, imperturbável.

As duas mulheres olharam na direção da janela e se entreolharam. A professora bufou, terminando a ata e voltando na direção da sala de aula.

— Seu nome é Gabriel? — Disse a jovem, olhando o nome do aluno, na ata.

— Sim. Este é meu nome. — Gabriel era um menino tímido e raramente encarava alguém nos olhos.

— Certo, Gabriel. — Disse, abrindo a portinhola do balcão, que os separavam — Venha e sente-se ali. — Apontando para um grupo de cadeiras enfileiradas.

— Posso beber água, moça? — Disse, olhando as mãos.

— Pode, sim. — Sorriu. — Vou te servir um copo de água bem fresquinha e tu espera a dona Vera chegar. Assim, tu explicas o que aconteceu. Está bem?

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