Ilha deserta

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As agendas da sexta-feira as mantiveram distantes. Ainda assim, a sensação era de que estavam quase ao lado uma da outra. Tanto Soraya Thronicke quanto Simone Tebet se buscavam em pensamento durante suas pequenas pausas, ou ao longo de entrevistas, quando em vez imaginando o que a outra responderia se estivesse ali.

Participando de um podcast, questionada sobre quem de seus oponentes levaria a uma ilha deserta, Soraya tentou desviar, enrolou para responder, mas não conseguiu não se entregar, "com todo respeito" ela disse que levaria Simone. O entrevistador a salvou incluindo outros nomes, ainda assim, ela respirou fundo ao sair do estúdio. Por quê?

Mal teve tempo de respirar e já tinha mais uma agenda de campanha a cumprir, uma última reunião. A busca por aquela resposta ficaria para mais tarde.


Já passava das 20 horas, em seu escritório em São Paulo, quando Simone Tebet analisava as últimas pesquisas de intenção de votos disponíveis. Não tinha mais agendas naquela noite. A xícara de café já frio enfeitava sua mesa. Conferiu o relógio e levantou-se para esticar as pernas, foi até a pequena cozinha e sorriu pela eficiência de seu time. Pegou uma long neck e suspirou, levou uma das mãos à nuca, estava tensa e cansada, mas tinha valido a pena. Confiava que terminaria o pleito em terceiro lugar, em projeção de subida.

Abriu a cerveja e bebeu com sede. Imediatamente, pensou em Soraya, como estaria sua "adversária". Tinha visto algo sobre um podcast com ela no início da noite, mas não conseguiu acompanhar, teve uma última reunião online com a cúpula de seu partido. No dia seguinte, terminaria sua agenda de campanha com mais uma caminhada em São Paulo e, após o almoço, seguiria para o Mato Grosso do Sul. Finalmente reencontraria suas meninas e sua mãe.

Terminou a cerveja e pegou mais uma para retornar a sua mesa. No celular, viu uma mensagem de um de seus assessores, do time das redes sociais, era um vídeo, ou um corte dele. Quase se engasgou quando abriu o conteúdo. Assistiu pelo menos três vezes para se certificar de que não era montagem. Até mesmo questionou a autenticidade do vídeo e teve a confirmação: Soraya havia dito no podcast que a levaria para uma ilha deserta.

Sozinha, Simone gargalhou. Riu como há muito não se permitia. E sentiu um calor em seu peito, sabendo que não era a única que precisou se concentrar mais em suas tarefas do dia depois daquele encontro no hotel. Sabia que estava arriscando muita coisa, sabia que aquele jogo era muito, muito perigoso, mas de alguma forma, o desejo que sentia era muito maior e já o havia negado por tempo demais.

Pensou em mandar uma mensagem, desconhecia a agenda de Soraya, mas acreditou que pouco depois das 21h da sexta-feira antes da votação, a outra não tivesse mais compromisso algum de campanha. Entrou em sua agenda de contatos e ligou.

Após três toques, soltou o ar que segurava, quando ouviu a voz de sua ex-aluna.

- Simone?! – seu tom era ansioso.

- Para qual ilha?

- Oi?!

- Para qual ilha a candidata me levaria?

- Meu Deus, você ouviu... Simone, eu... merda!

- Soraya, está tudo bem? – perguntou-se ao ouvir um barulho do outro lado.

- Tá, eu só... – respira fundo – Deixei cair a cerveja que estava na minha mão, sujei o chão do quarto do hotel, eu sou uma desastrada – riu de si mesma, que parecia uma adolescente reagindo a sua primeira paixão.

- Te deixei nervosa com a minha pergunta?

- Um pouco... sim, poxa, eu não esperava... – Soraya deixa seu corpo cair sentado na cama.

- Eu iria com você, Yaya – Simone diz quase sussurrando.

- Simone... por favor, não brinca com isso não...

- Eu não estou brincando.

- Simone...

- Onde você está?

- Em São Paulo, eu...

- Capital ou outra cidade?

- Capital, eu estou em um hotel, cheguei há pouco, amanhã vou pra casa, mas...

- Qual hotel, Yaya, me passa o endereço.

- Quê?!

- Soraya. Você me ouviu.

- Simone, o que é isso que está fazendo?

- Prefiro conversar com você pessoalmente. Por favor?

A linha ficou muda por um instante e Simone torceu para ter uma resposta positiva. Ela ouviu Soraya respirar fundo do outro lado e soube que a loira estava mordendo o lábio, balançando a perna, ansiosa.

- Eu espero que a senhora candidata saiba o que está fazendo...

- Talvez eu não tenha tanta certeza assim, mas tenho um palpite que a senhora candidata possa me ajudar a descobrir...

- Simone, o hotel onde estou não tem um espaço reservado para nós como ontem, eu...

- Só preciso do endereço para te buscar, eu tenho um apartamento aqui, sem vizinhos, entrada privativa. Não fui pra lá ontem porque o hotel era mais cômodo para estar com a equipe e já estava reservado para nós.

Mais uma pausa, mais um suspiro do outro lado da linha.

- Vou mandar a localização no seu WhatsApp.

- Ótimo. Você já jantou?

- Não, eu ia pedir alguma coisa aqui no hotel mesmo.

- Está com muita fome ou consegue segurar ainda um tempinho?

- Depende, qual é a proposta? – Soraya ri da própria ousadia.

- Perto do apartamento tem um restaurante italiano divino, eu posso fazer o pedido agora enquanto vou te buscar e passo lá para retirar antes de subirmos, o que acha?

- Uhm, a candidata está me levando para jantar?

- Se a candidata aceitar o convite... – Simone sorriu ao ouvir o riso de Soraya do outro lado da linha e se sentiu bem ao saber que era capaz de provocar aquela reação na outra.

- Convite aceito!

- Vou fechar o escritório e chego em... – olhou suas mensagens e clicou na localização de Soraya – Trinta minutos ao seu hotel.

- Combinado, professora – o tom de Soraya desconcertou Simone inteira. Ela fechou os olhos e estremeceu, sentiu um arrepio lhe descer pela coluna.

- Até daqui a pouco – conseguiu responder e encerrar a chamada.


Soraya Thronicke deixou o celular cair em seu colo e fechou os olhos. Sabia que o juízo lhe havia escapado por completo quando enviou o endereço do hotel para Simone Tebet. Tinha plena consciência do que estava em jogo ali: seu futuro político, suas relações familiares, sua sanidade.

Tinha certeza de que não foi a primeira e nem teria sido a última estudante da turma de Direito Administrativo do Centro Universitário de Campo Grande (Unaes) a se apaixonar pela professora Simone Tebet. Embora, talvez, tenha sido uma das poucas a se encorajar a flertar com ela.

Havia sido há tanto tempo... acreditou que tinha superado. Quando se reencontraram no Senado, desconfiou que não. Quando se reaproximaram na CPI da Covid, teve certeza. Adorava quando conseguiam conciliar as agendas tão extensas, quando surgia uma pausa para o café e elas se abrigavam em uma cafeteria pouco frequentada por políticos. Afinaram a sintonia ao longo de 2021, o fato de terem se tornado candidatas à Presidência por partidos diferentes, porém, tornou escassos os encontros apenas entre as duas.

E justamente no período mais turbulento, atribulado e insano de suas vidas, numa campanha presidencial, algo havia mudado ali, algo que não a permitia mais se manter indiferente. Sentia-se provocada na mesma medida em que provocava. Em um dos primeiros debates televisivos, quando Simone revelou ao Brasil ter sido sua professora e falou com tanto orgulho daquilo, Soraya desconcertou-se inteira.

Pegou novamente o celular, 13 minutos já haviam se passado desde a conversa com Simone. Levantou-se, solicitou a limpeza do quarto e foi se trocar. Não poderia descer para encontrar sua ex-professora de camisola.

Nada Será Como Antes - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora