A duas

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Um universo, como este em que vivemos, não é aleatório nem predeterminado. É potencial a cada segundo. O que fazemos é intervir. O livre-arbítrio é a capacidade que cada pessoa tem de afetar o resultado. Mais ou menos assim: a cada segundo, o universo se divide em possibilidades infinitas e a maioria delas nunca acontece. Não é um "uni-verso", há mais, muito mais de uma leitura.

Dentro da história contada, estão as que não puderam ser contadas, as possibilidades que nunca aconteceram. Assim, cada palavra escrita se torna uma rede para capturar a palavra que escapou. A história não para porque não pode parar. Continua contando-se, esperando uma intervenção para mudar o que acontecerá em seguida. E neste universo, o amor é uma intervenção.

Ao som da voz de Simone Tebet, Soraya Thronicke sentiu sua respiração lhe abandonar por completo. E se viu, novamente, dentro daqueles olhos que a deixavam tonta quando a fitavam com desejo. As palavras de Simone reverberaram de uma forma física em seu corpo, sentiu-se tremer por inteiro. Tudo entre as duas era intenso e delicado. Arrebatador e suave. Trocas e toques.

À luz do dia, o mundo era restrito. A noite tornava tudo vasto. Soraya não sabia, até se saber, que cabia um sentir tão grande dentro dela. Havia sido uma guerra consigo mesma admitir, há muitos anos, que desejava Simone. Depois outra, quando entendeu que estava apaixonada por ela, que estava apaixonada por outra mulher. Mas o semestre terminou e, antes do fim do curso, Simone já havia deixado a faculdade onde ela se formaria em Direito poucos anos depois.

Esbarram-se pela vida algumas vezes, trocaram sorrisos e palavras. Admiração, talvez. Contudo, havia sempre os olhares que se buscavam, apesar de as duas não se permitirem explorar o que havia ali. Não ainda.

Quando Soraya chegou ao Senado, Simone já estava. E mesmo com a distância político partidária que, a princípio, as separava, estavam sempre gravitando ao redor uma da outra até suas órbitas colidirem. Mas nada a havia preparado para aquele instante.

Simone a amava. Era o que havia declarado. Súbita. Inesperada. E a segurava como se Soraya fosse um pedaço de eternidade.

- Sisa... – sussurrou a loira sorrindo, largo, grande, como se a felicidade a houvesse convidado a uma dança. Ao mesmo tempo, seus olhos transbordavam.

Havia se perdido das palavras. O apelido de Simone soou quase como uma prece. Como ela poderia dizer que a mulher que a tinha nos braços era sua casa? Os telhados eram os cabelos castanho escuros, quase pretos, e sempre macios; as paredes eram os braços da senadora; as janelas eram aqueles olhos vívidos; as portas eram os lábios, por onde a loira entrava ao beijar e se extasiava sob o céu daquela boca.

E como não se apaixonar por aquelas sobrancelhas arqueadas delineando o rosto, enfatizando o tom castanho dos olhos? Simone parecia um retrato pintado por mãos precisas e impressões atentas a sinuosidades e detalhes. Ou era assim que Soraya percebia ao olhá-la no meio da cozinha do apartamento dela, descalça, ainda vestida com a roupa que a loira havia escolhido pela manhã, tão livre quanto nascera para ser.

– Eu amo você, Sisa – Soraya disse ainda com medo de nomear tudo que se encontrava em seu íntimo e sentiu como se segurasse nas mãos a esperança de um depois ao tomar o rosto de Simone. As duas sorriam.

A morena passeou a ponta dos dedos pelos traços do rosto da loira enquanto a outra mão permanecia firme na cintura. Tão dentro dos olhos uma da outra que nada ao redor importava mais. Beijaram-se. Lânguidas e sôfregas. E deixaram que suas mãos descobrissem novos relevos na geografia do corpo de cada uma.

Então era isso o amor, essa força metafísica que desabava sobre as pessoas sem que elas esperassem ou estivessem preparadas para ele?

Devagar e aos beijos, Simone foi conduzindo Soraya no caminho não tão extenso da cozinha até o quarto. Antes de abrir a porta, Tebet parou, buscou os olhos de Thronicke e deu espaço a ela caso ainda não fosse o momento de darem aquele passo. Entenderia. Sabia das próprias inseguranças, dos tantos "e se" que insistiam em lhe sussurrar na mente.

- Yaya...

- Sisa...

Simone mordeu o lábio inferior, era impossível não desejar Soraya, não desejar ter Soraya para si. A loira se sabia diante de uma decisão que mudaria o rumo de tudo, especialmente de si mesma. Levou a mão esquerda até a fechadura e abriu a porta.


Olhares podiam se alinhar como a Lua e a Terra e, naquele momento, o eclipse resultante do alinhamento entre as duas senadoras sombreava todo o resto. Apenas um olhar de Simone bastava para fazer Soraya sentir como a última luz de que a fotografia perfeita precisava, preenchendo os detalhes, criando novas profundidades que nem imaginava existir.

Entre beijos e short e calça lentamente sendo deixados pelo chão, fizeram silêncio para escutar o som do desejo. Não um desejo pequeno, mas um daqueles que estacionava na pele, lambendo as pernas de cima para baixo, bem devagar. Daqueles que sussurrava acariciando os ouvidos, acomodando estrelas no céu.

O mundo que continha Simone Tebet e Soraya Thronicke era o avesso de suave. Mas ali, naquele quarto, na presença uma da outra, Simone sorria. Sentia-se mulher, inteiramente mulher, ao observar a beleza de Soraya, ao admirar-lhe as curvas, ao desejar a essência dela.

E Thronicke se entregou àquela imensidão cor de chocolate nos olhos de Tebet, colando seus lábios aos da mulher que ajeitava o corpo sobre si. As duas se beijaram até o ar ficar rarefeito. E então de novo, entre risos soltos de uma alegria inédita, tão à vontade uma com a outra que não havia espaço para dúvidas.

Como Simone poderia se importar com o mundo do lado de fora daquele quarto se tudo o que desejava estava ali, ao encontro de seu toque, sorrindo dentro de seus braços? Soraya... a emoção que Simone sentia ao tê-la ao alcance de seus desejos era tanta que chegava a doer. Mas uma dor bonita, dessas que só os sentimentos arrebatadores são capazes de provocar.

Simone e Soraya deram-se as mãos no espelho dos olhos uma da outra. Tocavam as pontas dos dedos e era como se se tocassem por dentro, no íntimo, misturando as essências. Sorriam-se com uma nova luz nos lábios. Desejavam aquele amor cúmplice envolvendo-as pelos dias, pela vida. Para sempre (talvez?).

Um a um, botão a botão. Devagar, sutil, afastando, tocando sem querer, acaso, aconchego, procurando a alma exposta, o olhar baixo. Logo a loira sentiu as mãos da outra senadora em seus quadris. Instintivamente, levou as suas sobre os ombros dela. Soraya tirou as blusas, a sua e a de Simone, e começou a acariciar os seios da mulher por quem havia se apaixonado. Era tempo de descobertas para elas.

Por força de seus instintos, Soraya negava a inércia própria de quem nega seu próprio mundo. A cada amanhecer, era um trabalho de recriar-se, refazer-se a cada instante e nunca moldar-se ou deixar-se moldar. Mas gostava de descobrir que as mãos de Simone desbravavam um destino só delas em sua pele.

Da mesma forma, Soraya experimentava toques e carícias em relevos que nunca havia explorado antes. Achava bonito a reação da pele de Simone quando lhe cobria mais um palmo com dedos curiosos. Observava a morena querendo gravar cada pequeno detalhe em sua memória. Mulher. Sua. Ser que atrai toda gravidade do universo numa exposição a calor tão veemente.

Livres (temporariamente?) das amarras dos costumes e do esconderijo das roupas, permitiam-se o olhar curioso, faminto, encantado. Do corpo de Soraya transpirava o exercício inquietante da liberdade que escapava em busca do aconchego terno do corpo de Simone. A loira sentia a presença da morena a descortinar seus desejos e formas feitas em pés, pernas, ventre, seios, lábios úmidos na lubrificação dos dedos idos ao penetrar gentil que buscava escancarar o gozo pleno do encontro.

Tonta de prazer, Simone sentia o cheiro, os trejeitos, o tom de voz, a intensidade do olhar de Soraya em todos os seus poros.

– Põe devagar os dedos. Assim, Sisa... – Soraya guiou Simone para dentro de si e sorria ao saber-se dela – Sente?

– Eu... Yaya... eu sinto... sinto você!

– Vem... assim, sem pressa... – a loira pediu, prolongando o prazer que a dominava.

Ainda incerta e talvez descompassada, a dança dos corpos assumia seu ritmo, proporcionando prazer e trocas que, em diferentes medidas, as duas jamais haviam provado. Aquela noite era delas, só delas, um tempo de se terem, de se entregarem. Simone e Soraya buscavam-se e beijavam-se com a intensidade do desejo que as arrebatava até que não houvesse mais espaço no íntimo de cada uma para guardar as sensações que se provocavam.

Soraya de Simone. Simone de Soraya. Elas. Delas.


Entrelaçadas, deitaram-se lado a lado na cama durante um longo tempo, trocando carícias, sorrisos, beijos e cumplicidade. A loira passava o dedo pelo contorno do rosto da outra, mulher, amante. Sua. Deixou que seu indicador deslizasse até chegar aos lábios cheios dela, desenhando-os com seu desejo.

Soraya precisava de mais, queria mais, queria tanto! Impetuosa, puxou Simone para baixo de si. Em carícias exploradoras, foi deslizando sua mão pelo corpo que lhe implorava aqueles toques. Procurou de sua mulher o recôndito quente e a encontrou úmida. O prazer de sua mulher era também o seu.

Soraya cobriu Simone com seu próprio corpo. Acariciou-lhe os ombros e o ventre enquanto distribuía beijos e lambidas pelo pescoço dela. A morena se permitia gemidos descompassados e tinha os olhos fechados, mergulhada num mundo de êxtase combinado com amor. No último momento, a loira escorregou pelo corpo da morena e se pôs entre as pernas dela.

Contemplou por um instante Simone Tebet antes de lamber-lhe os lábios úmidos que ela lhe oferecia. Provou a mulher em sua boca enquanto as mãos brincavam com os seios dela. A senadora arqueou o corpo pelas ondas de prazer que lhe molhavam ainda mais e acompanhava como podia o ritmo dos movimentos de Thronicke.

– Yaya... eu... oh! – com o pulso cada vez mais acelerado, Simone se entregou ao orgasmo.

Soraya se deliciou ao ouvir os gemidos, seu apelido naquele tom de êxtase e diante daquela visão de Simone: olhos fechados, cabeça virada para o lado, suor na face e sorriso de fome saciada. Vagarosamente, Simone puxou Soraya por cima de seu corpo, até que suas bocas se encontrassem.

A morena respirou fundo, inebriando-se do perfume dos cabelos de sua loira. Sem que a outra esperasse, inverteu as posições e sorriu, logo tomando aqueles lábios finos e macios com sua boca. Pressionou levemente os seios de Soraya com os seus, roçando-os de modo provocante, fazendo a outra estremecer. Logo desceu em beijos pelo pescoço, saboreando cada pedaço de pele exposta. Percorreu o vale entre os seios antes de lhe tomar os mamilos com beijos e pequenas mordidas, excitando-os ainda mais.

Simone explorava o corpo de Soraya reparando em cada detalhe, descobrindo os lugares em que a outra se arrepiava, quando respirava mais fundo e se remexia no colchão, pedindo por ela mais embaixo. Apesar de querer se demorar mais, descobrir mais, a morena logo deixou o abdômen definido da outra senadora e lhe beijou as coxas, marcando-as com as unhas e os dentes. Soraya gemia, cada vez mais ansiando por Simone.

A morena soprou a intimidade da loira antes de lhe beijar bem no ponto rosado e já proeminente.

– Simone... ah... ah!

Tebet gostou muito de ouvir seu nome na voz rouca de Soraya, tomada de prazer. Passeou sua língua e fez a loira tremer as pernas, saboreando-lhe o gosto. Soraya se contorcia quando sentiu-se novamente invadida pelos dedos curiosos da outra, que lhe exploravam e tocavam, fazendo-a ofegar.

A dança dos corpos já seguia um compasso mais rítmico, puro instinto e desejo e amor. E não demorou para que Thronicke entregasse seu gozo aos lábios cheios de de Simone.

Eram pares aqueles olhares. Talvez coubesse um universo inteiro ali. Eram de felicidade pura aqueles sorrisos. Quando os dedos entrelaçaram-se, sorriam-se ainda mais largo. No encontro das mãos, um leve tremor. Soraya não queria nunca mais sair daquele aconchego, daquele lugar que era Simone.

No conforto do encontro entre elas, a loira deixou-se abraçar por sua morena que, de quando em vez, beijava-lhe o ombro ou o pescoço. A sensação era a de que dentro daquele quarto, em São Paulo, o tempo delas era outro.

Depois... nada seria igual ou diferente, final ou para sempre, só a fisiologia do sonho. Esquecer em queda livre... o depois seria istmo, ponte, rede, um alcançar de terras ignoradas, um refrear de ânsias não domadas. Cada uma em sua jornada, as duas já sabiam que para viver realmente era preciso expor o peito e sabiam que havia sentires e quereres que as palavras não poderiam traduzir. Era preciso pele, suor, tato, cheiro, sons.

Um abraço, um abrigo... E poderia chegar a chuva, o vento, o som agreste na vidraça da realidade, do mundo, das vozes, de tudo. Entre Simone e Soraya, cada vez mais longínqua se via a linha do horizonte onde todos diziam como tudo tem de ser.

O gosto, o cheiro, os sons, o tato de Soraya ainda estavam todos no corpo de Simone. A loira virou o rosto devagar. A morena recordaria aquele olhar por toda sua vida. Os lábios se encontraram sem pressa, trocavam beijos-carícias como se nada mais houvesse a fazer. Elas tinham uma a outra. Bastava.

Nada Será Como Antes - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora