Sem precisar de despertador, Simone acordou às 5h30, pontualmente, como havia se acostumado há muito tempo, na fazenda. Sorriu com o corpo quente enroscado junto ao seu, há quanto tempo não sentia aquilo? Estava, desde o meio do ano de 2021, separada de seu ex-marido. Ainda moravam na mesma casa sim, ela sabia que precisava daquela imagem numa campanha presidencial. Mas entre os dois não existia mais nada, apenas respeito e amizade.
Suspirou sentindo o perfume dos cabelos de Soraya e sorriu. Desde que percebeu o descompasso nas batidas de seu coração ao reencontrar e começar a trabalhar junto a sua ex-aluna no Senado, sempre evitou se deixar levar por aquela direção. Mas a proximidade foi inevitável, sentavam-se lado a lado, representavam o mesmo estado e tinham muito mais concordâncias do que desavenças. A CPI da Covid certamente fez com que ficassem ainda mais próximas.
Riu ao se lembrar dos olhares inquisidores de sua mãe durante um jantar entre as duas quando, logo após uma das sessões da CPI, quando a cena do dia, mostrada em todos os telejornais, foi que ela levantou-se num arroubo de seu lugar para defender Soraya de ataques de outros parlamentares. Havia reiterado que faria o que fez por qualquer outra colega mulher e espirituosamente sua mãe respondeu que aquela amizade era muito bonita.
Dona Fairte e suas provocações, aliás, fizeram com que se questionasse seriamente, pela primeira vez, o que era aquela bagunça que a outra senadora causava em seu ser. Tinha uma vontade imensa de estar com ela, conversar sobre qualquer assunto, dividir um café tranquilo, ambas proibidas por elas mesmas de falarem qualquer coisa sobre o Senado, era um respiro, uma pausa só delas.
Quando viu que o relógio marcava 6h no celular, decidiu que precisava começar o dia. Por certo que havia muito mais dúvidas do que certezas entre os pensamentos de Simone naquela manhã de sábado pré eleição. Ainda assim, a presença concreta de Soraya ressonando em seu peito afastou todos os receios, senões e poréns sobre um amanhã, se é que haveria um.
Quando Soraya, aos poucos, recobrou a consciência ao acordar, estranhou o quarto onde estava, mas o perfume de Simone no travesseiro a fez lembrar imediatamente. São Paulo. Apartamento de Simone. Vinho. Beijo. Respirou fundo. O que tinha feito? Era essa a decisão que havia tomado, jogar tudo pro alto por... desejo? Atração? Sentiu o pânico começar a se formar. O que faria quando saísse daquele quarto?
Antes que pudesse formular qualquer resposta, a porta se abriu e viu Simone entrar. Por alguns segundos, ficou esperando o arrependimento ou a vergonha lhe tomarem de assalto, mas quando recebeu o bom dia da outra com um sorriso tão bonito, fazendo sua alma dançar, Soraya soube: estava apaixonada.
Tebet já tinha feito café para sua companhia, e um chá para si mesma e posto a mesa para as duas enquanto Thronicke experimentava uma sensação tão boa de reencontro consigo mesma na companhia daquela mulher. Desejava um outro contexto para essa história, uma realidade diferente do que teriam que encarar. Soraya fez questão de arrumar a cozinha quando terminaram, enquanto Simone foi se arrumar para sua agenda do dia.
Ao voltar para o quarto para vestir a mesma roupa da noite anterior, encontrou (sua?) mulher começando a abotoar a camisa azul que escolheu para o sábado. Cobriu em passos rápidos a distância entre as duas e abraçou Simone por debaixo do tecido, fazendo-a respirar fundo com o contato das mãos em sua pele.
- Você é linda – sussurrou buscando os olhos de sua ex-professora – Eu sei que temos uma vida pública, com agendas cronometradas. É a véspera de uma eleição presidencial e nós somos candidatas, Simone...
- Mas...? – Tebet queria descobrir o que fervilhava na cabeça da outra.
- Como vamos fazer daqui pra frente? – deixou escapar em forma de pergunta a angústia que lhe pesava o peito.
- Eu não tenho todas as respostas ainda, Yaya – suspirou abraçando a loira pela cintura. Simplesmente amava o fato de ser mais alta e poder ter Soraya aninhada no espaço dentro de seus braços – A única certeza que eu tenho é que eu quero você na minha vida, quero outras sextas com jantar e vinho, risadas, beijos – sorriam uma para a outra – Quero você no meu colo, quero você na minha...
- Se você quiser cumprir sua agenda de campanha hoje, você não termina essa frase, Sisa – impôs a candidata. Simone riu e aquela risada ritmada parecia que faria o peito de Soraya explodir.
Perderam-se em seus olhares mais uma vez, seus corpos quase dançavam uma música que só as duas ouviam. O beijo que se seguiu foi inevitável, sem urgências, um beijo de acalanto para as dúvidas que se multiplicavam ao redor de ambas. Separaram-se apenas quando o celular de Soraya disparou o alarme que havia programado para o dia, permitindo-lhe tempo de se arrumar com calma, não gostava de manhãs corridas.
- Deixa eu terminar de me vestir, preciso te levar para o seu hotel – pediu Simone, mas sua voz entregava o quanto queria continuar ali.
- Não precisa se dar esse trabalho, eu posso...
- Trabalho nenhum aproveitar mais esse tempinho com você antes da loucura começar – Tebet deixou seus dedos percorrem os cabelos loiros de Thronicke, que suspirou com o carinho. Era tudo tão intenso e diferente do que sempre havia sentido em sua vida.
- Vamos logo então antes que... Ai, Simone! – Soraya gritou com o leve tapa que recebeu na bunda e olhou indignada para a candidata que ria a sua frente – Você vai se arrepender tanto de me provocar assim, meu bem... – prometeu ao se afastar um pouco.
- Ai, mas que gata brava! – implicou a morena – E eu sou o seu bem, é?! – questionou voltando a abotoar sua camisa, porém Soraya afastou suas mãos e o fez ela mesma, com as bochechas coradas por ter deixado escapar aquele vocativo. Ao terminar a pequena tarefa, a loira fechou os olhos e respirou fundo.
- Você é... eu não sei como, eu não faço ideia do que vai acontecer daqui pra frente, mas sim, você é o meu bem, Simone Tebet – afirmou Soraya com aquele seu queixo levantado e a pose marrenta e brava.
- Um passo de cada vez... eu prometo que nós vamos sentar e conversar, porque se você quer mesmo isso comigo, Soraya Thronicke, então nada será como antes! – respondeu Simone antes de puxar sua amante para mais um beijo.
O último dia de campanha eleitoral passou por elas atropelando qualquer tempo de respiro, qualquer possibilidade de contato. Simone mal acreditou quando pôde, finalmente, abraçar suas Marias e sua mãe. Reuniram-se na casa da matriarca, ao redor de uma mesa farta de comida libanesa.
Apenas quando estavam reunidas na sala, ouvindo as meninas contarem sobre seus projetos mais recentes, a candidata à Presidência do Brasil Simone Tebet se deu conta do quanto gostaria que sua adversária no pleito, Soraya Thronicke, estivesse ali partilhando aquele momento e se deliciando com a baklava feita por sua mãe. O doce é uma massa folhada recheada com mix delicioso de castanha de caju, nozes, amendoim e pistache. Para deixar tudo ainda mais saboroso, dona Fairte preparava uma calda de laranja com a flor de laranjeira e jogava por cima. Desde a infância, era o doce preferido de Simone.
Quando suas Marias a abraçaram e se despediram para ir dormir, dona Fairte pediu que Simone a aguardasse, ainda não era tão tarde. A senadora respirou fundo, sabia que sua mãe a havia lido desde que chegou àquela casa.
- Então, você vai mesmo esperar que eu faça as perguntas, Sisa?
- Mãe, eu...
- Simone, às vezes parece que você se esquece de que quem te pôs nesse mundo fui eu. Te conheço tanto, minha filha. Vamos, me diga o que tem provocado esses seus pequenos sorrisos e os seus pensamentos perdidos para além deste planeta. As meninas também repararam.
A senadora riu com o jeito direto e sincero de sua mãe. Ela mordeu o lábio inferior e se ajeitou melhor na poltrona.
- Ai, ai, dona Fairte... – a morena respirou fundo quando sua mente a levou até a lembrança do beijo de Soraya.
- Diz, Sisa. Você voltou muito diferente das suas agendas de campanha dessa vez.
- Mãe, eu acho que... a senhora sabe que eu tive uma série de várias primeiras vezes na minha vida, né? Tanto na vida pessoal quanto na vida política... encontrei mais uma delas.
- Filha, seja mais direta, por favor.
- Eu estou apaixonada, dona Fairte. Perdida e apaixonada! – confessou a presidenciável com uma risada.
- E o que isso tem de primeira vez, Sisa?! É a primeira vez que você se apaixona numa campanha? Não, porque o...
- Por outra mulher, mãe. Eu estou perdida e apaixonada por uma mulher! – Simone disse com todas as letras e viu sua genitora arregalar os olhos.
- Finalmente você admitiu! – Fairte riu e bateu palmas, mas não muito alto, para não chamar a atenção das netas, que certamente não estariam dormindo no quarto delas – Se me permite o comentário, que mulher difícil você foi se apaixonar, Sisa! Geniosa que só... eu via vocês duas desde a tal da CPI, as reuniões que nunca acabavam, o jeito que vocês andavam juntas, as tardes de sábado que você trazia ela pra cá e ficavam as duas enfiadas naquelas pilhas de papéis e livros, ela sempre tinha uma resposta prontinha pra você, filha.
Foi a vez de Simone gargalhar na sala com sua mãe. Óbvio que dona Fairte já sabia que seu coração fora todo demarcado pela ex-aluna.
- Ai, mãe... – a morena balançou a cabeça, enxugando algumas lágrimas de suas risadas – Ela, a Soraya...
- Você está certa disso, minha filha, porque não será nada fácil. Vocês duas candidatas, ela ainda é casada, não?
- Sim, mãe, ela é... – aquilo fez a morena passar a mão nos cabelos – Eu não sei ainda como vamos ficar depois de tudo isso, nem se vamos ficar. Depende muito mais dela do que de mim, a senhora sabe.
- Aconteceu alguma coisa entre vocês esses dias? Você tem uma certa esperança aí nesses olhos.
- Nós conversamos no hotel depois do debate de quinta-feira, acabei dizendo algumas coisas e ontem à noite eu a convidei pra jantar no meu apartamento, lá em São Paulo. Nós jantamos e... nos beijamos.
- Sisa! Isso é errado, minha filha...
- Estava tarde, eu fiquei preocupada, não quis deixar ela voltar sozinha pro hotel e ela dormiu comigo, mãe. E foi a melhor noite de...
- Chega, não precisa me contar esses detalhes, querida!
Simone gargalhou novamente com sua mãe e precisou de um tempinho pra se recompor.
- Mãe, nós apenas dormimos! E foi a melhor noite de sono que eu tive desde que a loucura da campanha começou. Ela cabe tão certinho junto comigo, mãe, tão linda... – suspirou pela loira.
- Se você está feliz, eu estou feliz, minha filha. Ainda assim não aprovo as coisas enquanto ela tiver compromisso. Só tome muito cuidado para não se machucar e nem prejudicar a carreira que você vem construindo há tanto tempo – dona Fairte se levantou e abriu os braços. Não demorou para que Simone estivesse no abrigo de sua mãe. Era tão bom ter aquele suporte, seu esteio e sua inspiração.
- Obrigada por ser essa mulher incrível – Simone beijou a bochecha de sua mãe.
- Espero que eu seja devidamente apresentada a sua Soraya, quando você achar por bem.
- Mas você já a conhece, mãe!
- Como sua amiga e colega de Senado, não como namorada! – a mulher já de cabelos brancos beijou Simone na bochecha – Agora eu vou dormir, porque amanhã será a primeira vez que eu vou votar na minha filha para presidente da República – sorriu.
Já em seu quarto, Simone foi conferir o relógio no celular, viu que se aproximava da meia-noite. Entre suas mensagens, sorriu ao encontrar o nome de Soraya entre as não lidas.
"Boa noite, meu bem! Espero que esteja aproveitando o tempo com suas meninas e sua mãe. Abri um vinho para celebrar o fim da campanha, mas acho que prefiro o que tomamos ontem, em São Paulo, era mais do jeito que eu gosto. Ou seria o seu beijo?"
Simone leu a mensagem e sentiu um arrepio gostoso em seu corpo. Desde as primeiras aulas na faculdade, Soraya sempre soube como provocá-la, ainda que, como professora, nunca dera continuidade a nenhuma investida. Mas Thronicke impressionou Tebet logo de início, independente das notas, pela personalidade dela.
Quando viu o status de online no perfil da outra, em vez de escrever uma resposta, ligou.
- Oi...– Soraya atendeu manhosa, voz de sono, já estava deitada e pronta para dormir, apenas conferia se Simone a havia respondido quando o telefone chamou.
- Já estava dormindo, Yaya? – Simone desejou imensamente tê-la aconchegada em seu peito mais uma vez.
- Quase... – confessou rindo baixinho, como se tivesse feito uma pequena travessura – Como foi o jantar na casa da sua mãe? Vai passar a noite aí?
- Sim, vou votar com mamãe amanhã. O jantar foi ótimo, mas faltou você aqui, tenho certeza que todas teríamos adorado a sua presença.
- Eu adoraria estar com vocês, amo a comida da sua mãe, os doces que ela faz, então...
- Só viria pelos doces de dona Fairte?
- Você sabe que não, Simone.
- Está sozinha? – a morena arriscou.
- Uhum... amanhã vou cedo votar, tenho uma reunião online com a cúpula do partido e sigo pra Brasília à tarde, pra acompanhar a apuração lá.
- Vou a Brasília também, acompanhar na sede do partido. Vamos ver o que nos revelam as urnas... – suspirou, um tanto cansada de todo o processo.
- Eu vou votar em você... – sussurrou Soraya.
- Não diga bobagens, Yaya!
- Não é bobagem, é um voto muito consciente, você é a mais preparada para o cargo, pelo menos eu penso que sim. Será uma honra pra mim ser senadora com você na Presidência – disse sorrindo e bocejou. Sabia que Simone perceberia o sorriso na voz dela.
- Você já está sonhando acordada, vou te deixar dormir, oncinha – de alguma forma, Tebet sabia que mesmo sonolenta Thronicke falava a verdade sobre seu voto e sabê-lo a fez se sentir quase levitando – Só preciso dizer que prefiro seu beijo a qualquer vinho e eu queria muito ter você aqui...
- Judia assim de mim na hora de dormir não, Sisa. Queria teletransportar você pra cá agora...
- E você faria o que se eu fosse? – jogou a candidata do MDB.
- Simone! – por um instante, Soraya perdeu completamente o sono – Você não ouse... ou vai ter de explicar sozinha pra imprensa amanhã cedo o que faz saindo da minha casa, candidata!
O riso de Simone foi tão gostoso de ouvir que preencheu o peito de Soraya. A morena era apaixonada naquela loira impetuosa, do jeitinho que ela era.
- Dorme bem, Yaya. Depois da apuração, imagino que daremos entrevistas. Talvez... talvez possamos nos ver depois.
- Só faz acontecer... quero muito te ver de novo, Sisa – pediu a loira, manhosa.
- Você usando esse tom comigo, não tem nada que eu não faça por você, oncinha.
- Nada?
- Nada.
- Não vou me esquecer disso. Boa noite, meu bem. Bom descanso e até amanhã.
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Nada Será Como Antes - Simone e Soraya
Fanfiction...Tanto amor guardado tanto tempo A gente se prendendo à toa Por conta de outra pessoa Só da pra saber se acontecer... Além da derrota nas urnas, o que mais as Eleições de 2022 no Brasil podem trazer para as senadoras e candidatas Simone Tebet e So...