Segundo turno

1.2K 118 37
                                    

E vamos de sistema de pesos e contra freios de Soraya Thronicke!

Queridas, queridos, querides! Por motivos pessoais, não posso precisar que dia eu volto com atualização. Não desistam, porém, nem da história e nem de mim.

..........................................................................................................................................................

Quando abriu a porta de seu apartamento em Brasília, Soraya Thronicke respirou fundo. Tinha se mantido firme até ali, engolido ataques de todos os lados, sabia que era mulher forte e, em público, mantinha a postura que há muito adotava em sua vida: combativa, nariz pro alto, queixo erguido, sempre para o ataque. Não permitia que os outros vissem suas fragilidades.

Deixou sua mala pelo caminho, largou os sapatos de qualquer jeito, jogou-se no sofá e fechou os olhos. Não se arrependia do que havia feito até ali. Gostava demais do poder para isso. Ainda assim, deixou-se doer. Não chorou, era mais do que esperado ouvir que era a traidora do Mato Grosso do Sul. Em frente às câmeras, apenas ajeitou a roupa minuciosamente escolhida, valorizando suas curvas, mexeu no cabelo, uma mania da adolescência, e seguiu o dia.

Pensou em tomar um banho, pensou em desfazer a mala, pensou em Simone. E então o choro veio. Forte, fazendo com que ela se sentasse no sofá para abraçar suas pernas contra o peito. Que tantos sentimentos eram aqueles que nem cabiam dentro dela por aquela mulher? Soraya riu de si mesma. Depois que iniciou sua carreira no mundo dos negócios, que buscou suas especializações no campo do Direito, quando decidiu entrar na política, sempre calculou seus movimentos, deixando para trás as inconsequências e aventuras de quando mais jovem. Tinha aposentado seu all star preto, de cano alto.

Não imaginou que o reencontro, depois de tantos anos, com sua ex-professora no Senado seria capaz de bagunçar tanto dentro de si. No início, eram mais distantes, Soraya havia mergulhado no bolsonarismo de cabeça. Mas a CPI da Covid mudou muita coisa, a fez rever muita coisa. E trabalhar tão próxima a Simone Tebet, dividir as tantas tardes de sábado na casa de dona Fairte, outras tantas em Brasília, já que moravam próximas, as trocas de mensagens... estar com ela havia lhe devolvido um pouco à realidade.

Quando o partido decidiu apresentar o nome de Soraya para a corrida presidencial, ficou mais de uma hora ao telefone com Simone. Sempre amou o poder, sempre quis os holofotes, gostava demais de tudo isso, mas não se sentia pronta o suficiente. Foi Simone quem a encorajou, quem a aconselhou, quem a fez dizer sim àquela campanha quando seus partidos não conseguiram compor uma chapa única com as duas, como era o cenário inicial. Teria sido o sonho mais louco de suas vidas caminharem juntas numa corrida presidencial. Talvez em quatro anos...

Soraya respirou fundo, desarrumou e arrumou os cabelos, mas não conseguiu encontrar quando foi que havia se envolvido tanto, se entregado tanto e sem pesar as consequências. Sabia que Simone estava separada, sabia que há muito tempo seu próprio casamento era uma fachada. Mas ela teria coragem de mudar tanto, de mudar tudo, de... o telefone tocou e a puxou de volta para aquela tarde quente de domingo em Brasília.

- Alô? – atendeu sem nem ver quem ligava, pensou que fosse algum assessor da campanha ou alguém de seu partido.

- Soraya, o que houve? – Simone sabia que a outra não estava bem só pelo tom de cansaço na voz dela.

- Simone?! – Thronicke não foi capaz de segurar o vórtice de sentires que dançavam em seu peito quando ouviu a voz da outra mulher, ela ria e as lágrimas caíam ao mesmo tempo.

- Yaya, você está chorando? O que aconteceu?

- Aconteceu você, Simone Tebet! Você aconteceu, você me virou de cabeça pra baixo, você... – ela respirou fundo – Eu deveria estar preocupada com alianças políticas, com votos, com cenários eleitorais e cálculos de segundo turno, mas estou sozinha no meu apartamento tentando me achar e saber o que será depois de tudo isso – despejou sem muito filtro nas palavras, não tinha cabeça para ser racional agora.

- Você se arrepende? – conseguiu perguntar Simone, num fio de voz.

- Como se eu pudesse... – Soraya riu de si mesma – Eu estou apaixonada por você, Simone, não é uma curiosidade, não é uma crise de meia idade, não é só desejo, eu me conheço e eu sei que só fico essa bagunça toda quando estou apaixonada. Mas eu nunca... eu nunca senti tanto assim, essa força, isso que me faz ir até você, que parece que me empurra pra perto de onde você está.

- Soraya, eu...

- Isso me assusta tanto, Simone... tanto!

- O que te assusta?

- Se você não estiver ali pra me segurar...

- Preferia que tivéssemos essa conversa pessoalmente, num momento mais calmo, mas parece que com você é sempre assim, tudo ao mesmo tempo, não é? – foi a vez de Simone rir um pouco.

- Você sabe como eu sou... e gostou de mim assim – Soraya soube, pelo respirar do outro lado da linha, que Simone tinha fechado os olhos ao ouvi-la.

- Se você soubesse o tanto, Yaya, o tanto que eu gosto de você...

- Tanto quanto?

- Tanto pra assumir tudo isso, pra andar de mãos dadas com você, pra planejar um futuro, pra querer estar na sua vida, todos os dias, enquanto você me permitir – Tebet prendeu a respiração, não esperava se expor desse jeito ainda naquela ligação, queria apenas combinar de se verem mais tarde.

Do outro lado da linha, Soraya respirava fundo algumas vezes, precisava acalmar o coração. Ela não era uma aventura, Simone queria um futuro. Mas ela teria tanta ousadia assim para se reinventar e se revelar uma figura pública tão oposta daquela que tentava projetar?

- Não precisamos falar sobre nada disso agora, Soraya – Simone a conhecia tão bem que sabia da confusão de sentimentos em que sua ex-aluna estava mergulhada – Eu só liguei porque queria saber como você está... e se você não quiser me encontrar hoje à noite, eu vou entender, eu sei...

- Eu quero te ver – sussurrou Soraya – Eu posso não ter tantas certezas assim, eu posso não saber bem o que farei amanhã ou depois, mas eu quero te ver, Sisa – limpou o rosto com as palmas das mãos – Me desculpe ser essa bagunça... – riu fazendo Simone rir também.

- Está tudo bem, desde que você seja a minha bagunça...

- Eu sou... – Soraya amava o jeito de Simone lhe transmitir segurança, de lhe acalmar e permiti-la respirar. Aquela mulher, que ainda não diria sua, mas queria, lhe expandia o horizonte de ser e estar no mundo.

- Hoje, mais tarde...

- Não importa a hora. Mas preciso te ver... hoje eu preciso do seu abraço – confessou a senadora.

- Você está sozinha aqui em Brasília?

- Sim, no meu apartamento.

- Moramos a poucas quadras de distância, eu vou te ver, só me avisar quando estiver liberada.

- Ok... – saber que veria Simone mais tarde lhe tirou um peso do peito.

- Tente descansar um pouco, as próximas horas serão tensas, acredito que não teremos uma definição hoje nas urnas. Até logo mais.


O relógio marcava quase meia noite quando a campainha do apartamento de Soraya tocou. A loira estava ansiosa, andava de um lado a outro em sua sala, vestia um conjunto simples, de cetim, uma blusa e um short num tom verde que realçava sua beleza. Quase correu para abrir, só podia ser uma pessoa ali.

Quando viu Simone com um de seus vestidos azul marinho, sorriu grande feito criança. Puxou a morena para dentro e trancou a porta. Com a adrenalina da apuração ainda alta, sem nem dar tempo para Tebet se situar naquele espaço, pulou para abraçá-la, enchendo seu rosto de beijos, as duas pernas ao redor da cintura dela.

A morena, mais alta, ria daquele comportamento espontâneo, arteiro e tão autêntico de Soraya. Tentava segurá-la firme, mas não sabia quanto tempo conseguiria aguentar. Escorou-se no encosto do sofá, sentindo seus batimentos quase em sincronia. Quando a mulher em seus braços a olhou, Simone sentiu as pernas fraquejarem. Como podia ser tão linda?

- Parabéns! Quase cinco milhões de votos, menina prodígio! – Soraya tinha os dois braços enroscados em volta do pescoço de Simone e logo puxou a morena para um beijo de celebração pelo fim do primeiro turno eleitoral. Tebet retribuiu imediatamente, já sentia falta de ter a loira assim, tão dela, ainda que não fosse.

- Obrigada – riu um tanto ofegante quando se separaram – Parabéns pela campanha, por ter colocado seu nome, por ter se exposto, por ter me apoiado do seu jeito, pelo respeito nos debates. Foi uma alegria dividir esse pleito com você, Soraya – apertou ainda mais o corpo da mulher contra o seu.

- Você me inspira tanto, Sisa... eu não teria dito sim a essa loucura toda sem aquela conversa que tivemos. Obrigada por acreditar tanto em mim – selou os lábios nos da morena enquanto deixou seu corpo escorregar, tocando o chão com a ponta dos pés descalços – Tenho algo pra você! – contou com um sorriso travesso e tirou do bolso do short um sonho de valsa.

- Eu não acredito! – Simone manteve Soraya junto de si com os braços ao redor da cintura dela – Você não existe, Yaya!

Em vez de entregar o bombom preferido da morena, a loira abriu a embalagem e levou o chocolate entre os dedos até a boca da outra. Olhavam-se intensamente a cada pequeno movimento. Simone sorriu antes de abrir os lábios e morder o doce. Soraya segurou a respiração ao vê-la se deliciar com algo tão simples e mordeu o próprio lábio quando Simone deu a segunda mordida, chupando de leve o chocolate nos dedos da mulher junto de si.

Se não beijasse a terceira colocada nas eleições presidenciais, Soraya sentia que iria explodir. Adorou o sabor do chocolate enquanto suas línguas dançavam. Sentiu vontade de morar naquele beijo, de fazer de Simone a sua morada. Mantiveram-se com os rostos colados, respirando juntas, sorrisos bobos e gêmeos quando precisaram de respirar.

- Precisamos conversar... – sugeriu Tebet.

- Eu vi a sua coletiva, ouvi o que você disse, por favor, agora não, Simone – pediu Soraya.

- Eu dei 48 horas para o meu partido, mas...

- Vai me dar 48 horas também? Eu sei que você já sabe o que vai fazer, mas você precisa mesmo, Sisa? Tem certeza? Você sai tão maior da eleição, olha...

- Não é sobre mim, Yaya – Simone segura o rosto da loira com carinho, olhando nos olhos dela – Não é sobre carreira, eu já tenho 20 anos de vida pública, termino meu mandato em dezembro, já estou pronta para deixar Brasília, mas não é sobre mim, é sobre algo muito maior. Você sabe do que eu estou falando, você viu, você...

- Eu sei... porra! Simone, eu não... por favor, me deixa ter essa noite de paz, esse intervalo no meio de tudo isso, pra você e pra mim. Eu prometo que vou te ouvir, amanhã, por favor? – os olhos amendoados da mulher mais baixa quase brilharam.

Simone respirou fundo. Permitiu-se olhar Soraya com calma, porque agora podia, ali, tão perto. Mas por quanto tempo?

- Tudo bem – cedeu e sorriu. Ela também merecia um intervalo.

- Vem, a pizza tá quentinha, pedi naquele lugar que a gente adora – levou Simone para a sala de jantar, onde tinha servido a mesa com a pizza de quatro queijos com parma que as duas amavam.

Foi até a geladeira e tirou o espumante que tinha posto para gelar, quando Simone confirmou que sim, apesar de toda a tensão entre seus correligionários devido aos resultados das urnas, se veriam ainda naquele domingo do primeiro turno das eleições. Entregou a garrafa à morena, para que a estourasse, o que Simone fez com destreza e sem desperdiçar o espumante. Serviu duas taças e brindaram.

- Ao seu sucesso nessas eleições... – disse Soraya.

- A nós! – piscou Simone ao tocar as taças, fazendo as bochechas da loira enrubescerem.


Depois da pizza, da garrafa de espumante e de Soraya determinar que Simone dormiria com ela naquela noite, estavam já deitadas no quarto da loira. A senadora do MDB recostada na cabeceira da cama e num mundo de travesseiros, com a representante do União Brasil aconchegada sobre seu corpo. As duas assistiam às análises sobre o primeiro turno em um canal jornalístico.

Thronicke nem havia percebido o momento em que tinha levado sua mão esquerda por debaixo do conjunto de dormir que emprestara à Tebet, brincando com seus dedos sobre a pele dela. Gostava dos arrepios que sentia, sorria com cada um deles. Em suas costas, a mão de Simone desenhava círculos preguiçosos, fazendo com que ela relaxasse completamente, o que era muito raro.

A cada bocejo, Soraya ganhava um beijo de Simone: no nariz, na testa, na bochecha. A loira ria baixinho, jamais imaginou aquela intimidade entre as duas, algo que já lhe era precioso demais para ignorar ou para não querer. Após mais alguns minutos, sua personalidade inquieta já não aguentava mais as falas quase todas iguais dos analistas políticos, queria deixar, pelo menos pelas próximas horas, a realidade do lado de fora de sua porta.

- Sisa... – sua voz não escondia o sono.

- Quer desligar a TV? – perguntou enquanto desenhava os contornos do rosto de Soraya com a ponta do dedo.

- Quero que você me beije até eu esquecer o meu nome – pediu Soraya, ajeitando seu corpo em cima de Simone. Por um instante, perdeu-se no sorriso da morena, na mão que lhe cobria a bochecha com tanto carinho – Eu sei que a partir de amanhã seguiremos caminhos diferentes, então...

- Ei... – segurou Soraya e a olhava nos olhos – Eu sempre vou respeitar você...

- Só me beija, Simone, por favor...

Com cuidado, Tebet acomodou Thronicke de costas no colchão, memorizando cada detalhe dela. E fez como Soraya pediu: beijou. Beijou cada canto daquela boca, beijou até que nada mais fizesse sentido, apenas as duas e o momento que viviam ali, somente presente, sem passado e nenhum futuro. Beijou até que sentiu a outra estremecer embaixo de si.

- Eu não quero perder você... eu não quero me perder de você... – sussurrou a loira, apertando o corpo da morena junto do seu.

- Não vai, e você não vai, eu prometo, Soraya...

- Não fala assim, você não sabe...

- Olha pra mim, olha nos meus olhos – pediu Simone e Soraya assim o fez, desejando se lançar naquela tempestade de sentimentos que também sentia – Você não vai se perder de mim porque eu não vou deixar. Quando eu digo que eu quero você, você sente isso?

- Eu... – Soraya estava fascinada pela força na expressão de Simone.

- Você sente, Yaya?

- Tanto que parece que é maior do que eu, Sisa... – entregou, além da resposta, um sorriso terno, apaixonado, que há muito havia desaparecido de seu rosto.

Era tudo que Simone precisava ouvir. Beijou Soraya mais uma vez, permitindo-se transbordar ali. Segurou o corpo menor contra o seu e rolou de costas no colchão, trazendo a mulher consigo, abrigando os contornos dela sobre os seus. Deixou que Soraya se aninhasse e continuou beijando a senadora até que ela adormecesse.

Nada Será Como Antes - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora