Sublime

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Soraya Thronicke não tinha palavras para explicar o que sentia apenas ao olhar Simone Tebet. Ver-se dentro dos olhos dela estava se tornando um presente quase que diário para sua existência. Ela só sabia sentir. E sentir numa magnitude inédita. Era aquela mulher dormindo serena no banco do carona o seu suspiro e a sua arritmia; sua tarde de sol e sua tempestade; seu desejo e sua plenitude.

Durante muito tempo, ao longo de sua vida, Soraya teve medo da certeza de que Simone seria a única capaz de preencher os seus espaços. Na vida, no corpo, na alma. E tinha ainda mais medo de saber que não haveria tanto sentido em sua existência na ausência dela. A cada vez que se encontraram depois da faculdade, em suas primeiras semanas no Senado, e sobretudo ao longo do trabalho que fizeram juntas ao longo da CPI da Covid, ela se apavorava ao pensar que a outra poderia chegar a ler seus pensamentos, seus sentimentos; e que isso poderia fazê-la ficar ou partir. Não saberia lidar com nenhum dos cenários. Mas todas as vezes que o som dos passos de Simone se afastava dela, sentia como se morresse um pouco a metade de sua alma que era ela.

Um amor tão improvável que Soraya não sabia bem quando havia chegado. Apenas se viu tomada por aquele sentimento que tentou de todas as formas não sentir. Até ver o dela. Até saber que Simone também sentia.

Ao parar em um semáforo vermelho já na entrada de Três Lagoas, Soraya abriu o celular, conferindo o endereço que dona Fairte havia enviado mais cedo, copiando em seu aplicativo de GPS, pedindo a rota. A senhora indicou que, se sua filha dormisse ao longo da viagem, antes de seguirem até a propriedade, Soraya fizesse uma pausa numa pequena loja de bolos artesanais que Simone amava e onde serviam chá feito na hora, além de café.

Chegaram talvez um pouco mais cedo do que a prudência recomendava, pois Soraya não teve pena do acelerador do carro que dirigia na estrada livre de trânsito depois de pegar o jeito do veículo. Quando estavam quase no local indicado pela senhora Tebet, sentiu, antes de ver, Simone acordando ao seu lado. Seus movimentos eram muito mais contidos que os de Soraya, que se espalhava inteira ao despertar.

A loira sorriu, mesmo sem tirar os olhos da pista, ao ouvir o suspiro da morena tentando esticar seu corpo dentro do carro. Simone não conteve nem o sorriso e nem as ondas de ternura marulhando em seu peito ao encontrar o perfil de Soraya, que tinha posto seus óculos e mantinha os olhos atentos às ruas. Quando conferiu as horas em seu celular, sem se importar com as mais de mil mensagens não lidas que suas notificações indicavam, a morena franziu o cenho.

- Yaya, quantos limites de velocidade você ultrapassou? – quis saber enquanto ajeitava o corpo e tentava esticar a coluna.

- Tenho o direito de permanecer calada, doutora Tebet – a loira respondeu em tom de brincadeira, desmanchando qualquer ar de repreensão que Simone tivesse.

- É, oncinha... pois saiba que eu não tenho nenhuma multa de trânsito e nem pontos na minha carteira de motorista.

- Por que será que não estou surpresa, hein?! – as duas riram – A estrada estava tão boa e livre que não resisti, meu bem. Mas jamais colocaria sua vida em perigo, não se preocupe.

- Eu sei... – Simone disse com uma doçura gostosa na voz, quase como se pudesse abraçar Soraya apenas com aquelas palavras.

- Estamos quase chegando, só mais um pouquinho...

- Chegando onde?

- No endereço que sua mãe me mandou. Ela disse que eu deveria levar você lá antes de seguirmos viagem.

- Lá? Ah, meu Deus! O chá com bolo de dona Conceição! Será que ainda tá aberto? – a morena visualizava novamente o celular, já havia passado um pouco das 18h.

Nada Será Como Antes - Simone e SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora