Capítulo 19

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Deixei o globo de vidro dentro da caixa e guardei dentro do armário, atrás de uma pilha de suéteres xadrez que era do meu pai. Quando abri o presente na frente da Hailee, o parque de diversões pareceu reluzente e belo, com a claridade se refletindo nos arames
como um arco-íris. Sozinha no quarto, porém, ele parecia assombrado. Uma colônia de férias perfeita para espíritos desencarnados.

E eu não estava completamente convencida de que não havia uma câmera escondida lá dentro. Depois de trocar a roupa por uma camiseta e uma calça de pijamas, liguei para Dinah.

Bem? - disse ela - Como foi? Obviamente, ela não matou você. O que é um bom começo.

— Jogamos sinuca.

— Você odeia sinuca.

— Ela me ensinou algumas técnicas. Agora que sei o que estou fazendo não é tão ruim.

— Aposto que ela poderia lhe ensinar algumas técnicas em outras áreas da sua vida.

— Hum.

Sei que já disse isso antes, mas Hailee não me inspira uma sensação profunda de conforto. - disse Dinah. - Ainda tenho pesadelos com a pessoa da máscara de esquiador. Em um dos meus pesadelos, ela arrancava a máscara. Adivinha quem estava lá? Hailee. Tem alguma coisa anormal nela.

Era exatamente sobre isso que eu queria falar.

O que poderia provocar uma cicatriz com o formato da letra V nas costas de alguém?

Houve um momento de silêncio.

Bizarro, você a viu pelada?

— Eu não a vi pelada! Foi meio que por acidente. Ela tinha nas costas uma cicatriz enorme com a forma de V para baixo. Não é um pouco esquisito?

— Claro que é esquisito. Mas estamos falando da Hailee.

Metade do meu cérebro acompanhava a conversa com Dinah, mas a outra subconsciente, divagava. Minhas lembranças voltaram à noite e que Hailee me desafiou a andar no Arcanjo. Revi as pinturas assustadoras e bizarras nas laterais dos carros. Lembrei-me das bestas com cifres arrancando as asas do anjo. Lembrei da marca negra em forma de V de cabeça para baixo no lugar em que costumava ficar as asas.

Quase deixei o telefone cair.

D-desculpe-me, o que foi? - perguntei a Dinah quando percebi que de ela levará a conversa adiante e esperava minha resposta.

— O que. Aconteceu. Depois? - repetiu devagar. - Terra chamando S/n. Preciso dos detalhes. Estou morrendo de curiosidade.

Dentro da minha cabeça, alternava a visão das cicatrizes do anjo na pintura e as cicatrizes da Hailee. Disse para mim mesma que havia a possibilidade de estranhíssima coincidência o fato de as pinturas no Arcanjo descreverem tão perfeitamente as cicatrizes da Hailee.

Dinah eu preciso ir. - minha voz estava vacilante.

— Sei. Você quer desligar antes de me contar os detalhes.

— Não aconteceu nada durante o encontro.

— Fala sério!

— Amanhã eu ligo para você, ok?

— Ok, durma com os anjos, menina.

Sem chances, pensei.

Depois que desliguei o telefone, percorri até o escritório de mamãe e liguei o computador. Na barra de buscas do Google digitei " Anjos, asas e cicatrizes". Demorei um segundo antes de apertar a tecla enter, com medo. Se fosse adiante, precisava adimitir que estava, na realidade, considemedo a na hipótese de que  Hailee...bem... podia não ser uma humana.

Dei "enter" e cliquei nos primeiros link antes que pudesse mudar de ideia.

ANJOS CAIDOS: A VERDADE ATERRADORA

Quando o jardim do Éden foi criado, as anjos celestiais foram enviados para a Terra a fim de cuidar de Adão e Eva. Pouco depois, porém, alguns anjos puseram os olhos no mundo, além dos limites do jardim.

Viram-se como os futuros governantes da população da Terra, desejando poder, dinheiro e até as mulheres humanas. Juntos, tentaram e convenceram Eva a comer o fruto proibido, abrindo os portões que protegiam o Eden. Como punição para esse grave pecado e por terem abandonado suas obrigações, Deus tirou as asas desses anjos e os baniu eternamente para a Terra.

Rolei a tela para ler alguns parágrafos, o coração batendo desvairadamente.

Os anjos caídos são os mesmos espíritos perversos (ou demônios) que, segundo a Bíblia, tomam posse de corpos humanos. Vagam pela Terra procurando corpos humanos para molestar e controlar. Tentam os humanos a fazerem o mal ao comunicar pensamentos e imagens diretamente em suas mentes.

Se um anjo caido tem sucesso em levar um humano a praticar o mal, ele pode entrar em seu corpo e influenciar suas ações e sua personalidade.

Um corpo humano, porém, só pode ser possuido por um anjo caido durante o mês do Cheshvan do calendário hebraico. Cheshvan, conhecido como "o mês amargo", é o único mês sem qualquer feriado judaico ou jejum, o que o torna profano. Entre as luas nova e cheia do Cheshvan, hordas de anjos caídos invadem corpos de seres humanos.

Meu olhar permaneceu grudado no monitor por mais alguns minutos depois de concluir a leitura. Não pensava em nada. Nada. Só na complexidade das emoções que se agitavam dentro de mim. Espanto, pânico e pressentimentos sinistros entre elas.

Um arrepio involuntário me devolveu os sentidos. Lembrei-me das vezes em que estive convencida de que Hailee havia rompido os limites da comunicação convencional e sussurrado diretamente na minha cabeça, exatamente como estava escrito naquele artigo sobre anjos caídos.

Comparando as informações com as cicatrizes de Hailee, seria possível algo assim.... Poderia Hailee ser um anjo caído? Será que ela queria possuir o meu corpo?

Passei os olhos rapidamente no restante do artigo, diminuindo o ritmo quando li algo ainda mais bizarro.

Anjos caidos que mantêm relações sexuais com humanas e produzem filhos super-humanos denominados nefilins. A raça nefilim é perversa, degenerada e não deveria habitar a Terra. Embora muitos acreditem que o Grande Dilúvio dos tempos de Noé tivesse como objetivo limpar a Terra dos nefilins, não temos como saber se essa raça hibrida foi extinta ou se os anjos caidos continuam a se reproduzir com humanas desde então. Parece lógico que tenham continuado, o que significaria que a raça nefilim talvez permaneça na Terra até os dias de hoje.

Afastei-me da escrivaninha. Amontoei em uma pasta mental tudo que havia lido e arquivei. E pus um carimbo - ASSUSTADOR - fora da pasta. Eu não queria pensar naquilo no momento. Precisava examinar melhor mais tarde. Talvez.

Depois de desligar, fui para o quarto e deslizei para debaixo das cobertas. Joguei um cobertor a mais na cama para afastar a súbita friagem. Não sabia se o quarto estava frio ou se aquela sensação gelada vinha de dentro de mim. Palavras assombrosas como "anjo caído", "possessão humana" e "nefilim" embalaram meu sono.

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Sussurro - Hailee Steinfeld/YouOnde histórias criam vida. Descubra agora