Capítulo 4

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O dia estava passando rápido. Havia tantos pacientes, coletas de exames, encaminhamentos para laboratório e altas para lidar que quando me dei por mim, já estava quase na hora de ir embora.

A sombra do pesadelo me acompanhou o dia todo, mesmo que eu disfarçasse meu estado de espírito apreensivo. Não sabia como conversar com as pessoas sobre o que me incomodava, apenas a Dra. White conseguia fazer com que eu me abrisse, pelo menos um pouco.

Minha irmã, Julie, também era uma pessoa em quem eu confiava e compartilhava algumas coisas. Mas havia lembranças que eu nunca havia compartilhado com ninguém, nem mesmo a Dra. White. E o principal motivo para que eu não compartilhasse era porque eu não tinha certeza de que elas haviam acontecido de fato. E se haviam acontecido, será que eram da forma como eu supostamente me lembrava?

Sempre que essas lembranças tentavam abrir caminho no emaranhado de coisas que eu tinha que pensar, eu as empurrava de volta para um lugar dentro de mim que nem eu mesma conseguia buscar depois. Na maioria das vezes, fazia isso instintivamente, sem conseguir me conter por tempo o suficiente para realmente pensar sobre a "lembrança".

Minhas últimas rondas se aproximavam quando me dei conta de que não havia parado para almoçar. Uma súbita tontura fez com que eu me lembrasse. Segui para a lanchonete e peguei um sanduíche de atum e uma banana. Comi tudo rapidamente, não querendo deixar muito trabalho para quem fosse substituir meu turno. Não que todas as pessoas pensassem assim, havia aquelas enfermeiras que faziam o mínimo possível, apenas para garantir o emprego.

Segui pelos corredores, mais uma vez absorta em pensamentos sobre como meus pesadelos poderiam estar conectados, e o que havia causado minha alucinação mais cedo. Eu não me considerava uma pessoa medrosa, mas fiquei paralisada com a figura alada que eu havia imaginado. Parecia tão real. E por algum motivo, isso me fazia ter a sensação de que eu deveria me lembrar de alguma coisa, mas não conseguia.

E havia o fato de que eu senti que havia alguém me observando no corredor mais cedo naquele dia, mesmo que eu não tivesse visto nada. Talvez eu estivesse ficando maluca de vez. Eu nunca havia sido normal. Minha família adotiva se preocupara comigo imensamente no início, pela minha falta de habilidade de demonstrar qualquer emoção que não fosse o medo, que ficava estampado no meu rosto sempre que me acordavam de um pesadelo.

Por mais que eu tentasse, não conseguia expor as emoções que sentia para ninguém, e alguma parte de mim me dizia que era um mal necessário, para evitar alguma coisa. Que, novamente, eu não conseguia lembrar. Me perguntei em mais de uma ocasião se eu teria sofrido algum abuso tão terrível, que me fez virar essa pessoa defensiva.

Parei com essa linha de raciocínio assim que trombei com um pilar. Ai. Olhei ao redor, e felizmente, estava sozinha. Ou pelo menos, achava que estava. Com um suspiro cansado, me coloquei a caminho dos dois últimos pacientes do dia. Uma senhora que havia colocado ponte de safena e estava se recuperando da cirurgia e um jovem que havia quebrado a perna enquanto praticava skateboarding.

- Sra. Humphrey, como está se sentindo hoje? – Perguntei para a idosa no leito. Ela era um tanto rabugenta, e Caroline odiava quando tinha que lidar com ela. Mas eu não ligava tanto.

- Como era de se esperar, largada aqui nesse hospital. Quando posso ir embora? – Respondeu ela, com cara de poucos amigos.

Eu sabia que a família não visitava havia dois dias, e por mais que ela fosse difícil, me compadeci por não haver ninguém que se importasse em verificar em que condições ela estava, e como estava sua recuperação.

- Logo, logo. Mais dois dias em observação e se tudo estiver de acordo, o Dr. Yin irá assinar sua liberação. – Respondi, de maneira profissional. – Sentiu algum desconforto?

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