Capítulo 9

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Eu reconhecia a balsa de Bainbridge, pois já a utilizara várias vezes. Fazia frio, e eu tremia por dentro do casaco de lã. Por que não havia colocado o casaco impermeável? Eu sabia o quanto o ar podia ser úmido e gelado ao pegar a balsa. Enquanto tentava entender o que estava fazendo ali, vi uma figura se aproximando de mim. Fiquei desconfiada imediatamente, mas quando o sujeito se aproximou o suficiente para que eu visse melhor seu rosto através da neblina espessa que nos rodeava, relaxei.

- Pai. – Falei, e embora fosse meu pai que estivesse ali na minha frente, algo sobre ele estava diferente. Como se eu o enxergasse direito pela primeira vez. Por algum motivo, ele parecia ser diferente das outras pessoas, e eu tentava identificar o que era, sem saber que a venda que cobrira meus olhos durante trinta e quatro anos estava se desfazendo. Os olhos cor de avelã de meu pai não revelavam emoção alguma, mas o maxilar travado dizia o suficiente.

- Ellen, preciso que me escute. – Dizia ele, com uma voz que não se encaixava naquela da qual eu me lembrava. – Você precisa sair da casa de Maggie, voltar para Seattle. O mais rápido possível. Não sabe o quanto sua presença as coloca em perigo. Não quando seu aniversário está tão próximo.

- Nada do que está dizendo faz sentido, pai. Venha para casa, e conversaremos sobre isso. – Tentei dizer a ele.

- Não! Minha presença também não ajudaria em nada. O mais correto seria afastar Julie de sua mãe também, mas ela não quer saber de mim. – Ele disse essas últimas palavras com amargura. – Me arrependo do dia em que te acolhi em minha casa. Eu sabia que você era diferente, mas se soubesse antes o que sei agora, teria mantido minha família o mais longe possível de você.

As palavras me machucaram mais do que eu gostaria de admitir. Em suas feições não havia sombra de arrependimento pelo que havia acabado de dizer, apenas amargura, e raiva. E foi aí que eu comecei a notar os detalhes que o faziam ser diferente de outras pessoas. Os olhos um pouco maiores, o brilho sombrio que o envolvia, o corpo musculoso e a aparência muito mais jovem do que deveria ser. Não restavam dúvidas em mim, ele não era humano. Talvez não fosse nem mesmo meu pai de verdade.

- O que você é? – Perguntei, sem conseguir me conter. Por um instante, ele aparentou confusão, e então choque. E por último, ficou alarmado.

- Você não deveria conseguir me ver por quem eu sou, ainda não. Eles disseram que isso seria seguro. – Ele não estava falando coisa com coisa, quem eram eles? E por que eu não haveria de conseguir vê-lo?

- Você não é meu pai. Robert jamais falaria essas coisas. Quem é você, criatura? – Falei, e me surpreendi com a autoridade em minha voz, que havia se tornado o som da promessa de morte. Ele agora parecia ter medo de mim, e com um piscar de olhos, sumiu.

Fiquei confusa, e olhei em volta, procurando-o, mesmo sabendo que não o encontraria. Olhei para minhas mãos, que haviam se alongado mais e emanavam um brilho avermelhado. Meu corpo todo parecia ter crescido, e levei um susto ao sentir o peso de algo em minhas costas. Em minha sombra, um grande par de asas estendidas emoldurava meu contorno.

Acordei com um sobressalto. Meus cabelos grudavam em meu pescoço e eu tremia. Olhei para minhas mãos, e vi o brilho avermelhado esvanecendo. Me levantei de pronto, correndo para acender a luz do quarto. Primeiro me olhei no espelho, mas não havia mais vestígios da transformação que ocorrera em meus sonhos. Era isso. Havia sido apenas um sonho. O brilho em minhas mãos fora apenas resquício do sonho.

Respirei fundo algumas vezes, procurando me acalmar. Estava me virando para apagar a luz novamente, quando notei um leve fumegar vindo de trás de mim. Andei até a cama, devagar, com a respiração voltando a ficar presa em minha garganta. Isso não podia estar acontecendo, não era real.

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⏰ Última atualização: Nov 20, 2022 ⏰

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