Notas da autora: Prontos para o caos?
Boa leitura!!
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Era fim de tarde quando Kaz viu a silhueta de Inej sentada em um dos deques do porto, olhando para o horizonte se tornando escuro como se pudesse se misturar à paisagem. A garota percebeu sua presença antes que ele a anunciasse, e, tão rápido quanto uma estrela cadente riscando o céu, a Ghafa se pôs de pé para traçar seu caminho de volta para os becos de Ketterdam.
"Inej" Kaz disse, pedindo com os olhos para que ela o acompanhasse. Sem saber ao certo o que esperar – pois se tratava de Kaz, e ele tinha a mania de quebrar expectativas – a morena o seguiu até um da das muitas propriedades deixadas pela família Brekker.
O salão empoeirado parecia refletir o restante da luz da cidade, o que não ajudava muito na tarefa de distinguir as expressões de Kaz.
"Sim?" murmurou, ajeitando sua trança para frente e assistindo o garoto se encostar em um balcão.
"Nina me falou sobre o problema" falou secamente, tentando não se sentir traído por ser evitado durante tanto tempo por algo como aquilo. Era inevitável uma pontada de decepção em seu âmago, assim como uma de raiva ao perceber sua impotência perante um assunto que já deveria ter superado a anos.
Inej congelou em seu lugar, sentindo o coração pulsar dolorosamente e acelerado, enquanto ela temia que Kaz soubesse a verdade. Ela não sabia se deveria ficar com raiva ou envergonhada, mas seu tom sóbrio se destacou e ela escolheu a impassividade frente ao constrangimento.
Os olhos do Brekker se fixaram na fresta do piso de madeira enquanto ambos ponderavam o próximo passo. Inej pensou ver um vislumbre de ressentimento em seus olhos quando ousou encará-lo.
"Você sabe, não tem nada de errado com minhas mãos, se é isso em que esteve pensando" Kaz sibilou, notoriamente irritado com os pensamentos que o envolviam. "Elas não são..."
"Kaz, você não é o problema" a garota disparou, sentindo seu peito apertar ao se dar conta de que o Brekker imaginava que ela temeria a aparência de suas mãos. Mentalmente condenou Nina pela pouca sabedoria na escolha de suas palavras ao contar seu segredo para Kaz.
"Não é o que parece" Kaz debochou, lançando à Ghafa um olhar acusatório. Inej não conseguiu sustentar o olhar por mais que dois segundos, virando a cabeça para outro lado na tentativa de não ser pega em um emaranhado de mentiras que prometiam ficar maiores.
"Podemos esquecer isso?" sugeriu, aflita com a resposta. A pergunta pareceu ser a gota d'agua para Kaz.
"Se você parar de me olhar dessa forma" o Brekker rebateu, conseguindo ler os pensamentos de Inej tão fáceis quanto uma placa bem à sua frente. Assim como? sua própria mente repetiu, rindo da forma como suas emoções se intensificavam ao tratar de seus dois assuntos delicados: Luvas e Inej. "Como se eu fosse um monstro digno de pena ou repulsa" concluiu, querendo fazer valer a fama de seu temperamento.
"Kaz, eu nunca pensei isso" a morena justificou, sentindo a garganta seca por estar entre o fio e a navalha. Entre contar a verdade e deixar Kaz pensar algo assim.
"Você esteve me evitando" lembrou.
"Estive evitando meus pensamentos. Desculpe se isso o chateou" Inej disse baixo, como se pudesse encerrar o assunto daquela forma. Kaz assentiu e passou a mão pelo rosto.
"Vou pedir a Jesper que evite falar sobre mim."
"Eu sou a única culpada. E é comigo que você deveria estar bravo" a Ghafa repreendeu, certa de que Jesper levaria a culpa de toda aquela situação se Kaz fosse até ele com toda a raiva que transparecia naquele momento.
"Não estou" mentiu.
"Vai precisar fazer melhor que isso para me convencer" Inej sibilou, dando um passo a frente para ficar mais próxima de Kaz. Que ele visse a determinação em seus olhos e se desse por convencido. "Já conheci mentirosos o suficiente para reconhecer a verdade quando a vejo. O mesmo vale para você."
"Vamos esquecer isso" o Brekker sugeriu entre dentes e engoliu em seco, tentando ficar pronto para empurrar o assunto para debaixo do tapete e não ousar nunca mais olhar lá embaixo.
O desfecho ideal seria ali, enquanto ambos não estavam magoados o suficiente para gravar o acontecido em suas memórias. Porém, Inej se viu na beira de um abismo ao não conseguir deixar suas ideias morrerem no silêncio.
"Quero fazer uma pergunta. Sei que isso vai irritá-lo e quero que saiba que pode levar o tempo que precisar para superar isso" a garota falou, não processando as palavras na mesma velocidade em que as proferiu. Kaz levou alguns instantes para assentir, o mesmo tempo necessário para que Inej se arrependesse da pergunta que viria a fazer. "Acha que um dia vai se livrar das luvas?"
A voz de Kaz pareceu se tornar areia em sua boca, seus olhos rasgaram a Ghafa como se ela fosse o obituário de seu irmão.
"Elas não estão coladas em mim" o garoto retaliou com a voz se perdendo no silêncio. Os olhos de Inej o desafiaram mais do que ela própria imaginou que seria capaz.
Seria difícil esquecer aquela noite.
Seria difícil ignorar o fato de que Kaz sentiu ódio de si mesmo quando arrancou as luvas em um acesso de fúria. O tecido que cobria suas mãos foi atirado sobre uma mesa empoeirada, ao mesmo tempo em que Inej prendeu a respiração como se aquilo tornasse tudo menos real. Estava confrontando Kaz e, definitivamente, aquilo não parecia certo.
Dentro da mente do Brekker, tudo voltou à tona. Seu irmão. A água. Tudo conspirando para fazê-lo perder os sentidos e se afundar na pior lembrança de sua vida. Seus olhos se fecharam inconscientemente e se apertaram com força.
A Ghafa sentiu seu rosto em chamas, não por tornar real a imagem que Jesper pintou em sua mente, mas por infligir tanto sofrimento aos dois. Ela não sabia de toda a história de Kaz, contudo isso não lhe dava o direito de ser cruel.
"Desculpe, Kaz" murmurou em um suspiro, antes de deixar o cômodo como se fosse um gato prestes a se misturar nas sombras.
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Crow Chronicles - Six of crows
FanficOs corvos definitivamente são um grupo e tanto, até mesmo em dias comuns onde suas histórias não passam de crônicas. [Six of crows • AU!modern • Colegial]