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  Somos todos sujeira cósmica, formados por poeira de estrela e faíscas de Quasar, vagando rumo a um fim trágico e irreversível. E a ideia de que sua família era uma sujeira melhor do que as outras, havia cansado Antonella.

  E seu fim trágico aparentemente viria muito mais cedo, porque ela tinha pensado que apenas um casaco de pele seria o suficiente para o implacável inverno sul-coreano. Sua pele com deficiência de melanina tremia sofregamente debaixo daquele casaco, enquanto a menina com cabelos brancos esperava o sinal abrir para atravessar a rua.

  Parecia difícil chegar até o outro lado daquela rua tão larga, seus sapatos de salto atrapalhavam o caminhar, a mala pesada atrasava as pessoas que andavam atrás de si, e os tremores constantes a faziam sentir-se fraca.

  Já era quase noite e ela não chegava àquela universidade nunca. Antonella Drummond havia acabado de sair do aeroporto, estava caminhando rumo à UNS há pelo menos uma hora. Sua visão parecia turva cada vez que olhava para aqueles letreiros num alfabeto diferente, sua ação de fuga havia sido tão desesperada que nem mesmo a língua nativa do lugar ela havia aprendido.

  Os pés já faziam enormes calos quando ela finalmente empurrou uma das amplas portas de vidro da entrada da universidade, a luz amanteigada do fim do crepúsculo passava pelos vidros transparentes do hall de entrada do campus. O lugar parecia deserto, exceto por uma ou outra pessoa visualizando o itinerário da faculdade e uma senhora, que, atrás da vidraça de uma porta de carvalho, judiava de seus olhos com a luz fortíssima de um computador.

  Os sapatos molhados da neve deixavam rastros conforme Antonella caminhava rumo àquela sala tão iluminada. Quando empurrou a fechadura metálica, um sino soou acima de sua cabeça:

  ㅡ Oh, minha querida! ㅡ a senhora grisalha largou os óculos sob a mesa. ㅡ Você está congelando.

  Ela caminhou até uma mesinha e serviu um pouco de chá quente numa xícara, colocando a xícara nas mãos gélidas de Drummond. A loira olhou em volta: uma sala rústica e imponente, com poltronas verde-musgo e uma mesinha de chá, também uma estante e uma escrivaninha elegante. 

  Antonella agarrou a xícara com as duas mãos, desesperada para que o chá quente passasse o calor para pelo menos aquela parte de seu corpo. A diretora da universidade indicou com a mão uma das poltronas verdes, e a loira quase arfou de alívio quando pôde se sentar depois de muito tempo caminhando.

  ㅡ Está vazio por aqui, por quê?

  Antonella deu um gole no chá de erva-doce enquanto esperava pela resposta da mulher que usava um vestido preto na altura das canelas.

  ㅡ Ah, este é o prédio de salas de aula, os estudantes estão todos no refeitório, porque é hora do jantar.

  A senhora se sentou na poltrona da frente:

  ㅡ Quero ir direto ao ponto, porque também preciso ir para casa jantar. ㅡ Drummond assentiu com a cabeça. ㅡ Suas aulas começam amanhã cedo, seria interessante você fazer umas aulas intensas de coreano, porque embora eu tenha alertado aos professores que você só fala inglês e português, eles não aguentarão por muito tempo.

  Mais uma vez a menina albina percebia o quão imatura fora ao não estudar coreano antecipadamente.

  ㅡ Aqui está a sua chave do dormitório, há mais três meninas no quarto com você, espero que se deem bem. Pode ir guardar suas coisas e ir jantar com os demais. ㅡ a Senhora Sun Gi entregou nas mãos da estudante um mapa da faculdade. Então se impulsionou para fora da poltrona. ㅡ Estou indo para casa, qualquer coisa, você tem meu telefone.

  Antonella se viu impelida a largar a xícara de chá, mas não sem antes beber todo o resto num gole só.

  Então deixou a sala da senhora grisalha, indo rumo ao prédio do dormitório feminino. Subir três lances de escada com uma mala gigante e uma bolsa quase do mesmo tamanho, não era nada fácil, e se tornou ainda mais difícil quando um garoto apressado colidiu com ela, a fazendo cair no patamar.

  Depois que conseguiu tirar os cabelos brancos do rosto, a menina finalmente pôde ver o rosto do rapaz que a havia empurrado com tanta força: um menino coreano, com cabelos castanhos e traços perfeitamente simétricos.

  ㅡ Quem é você? ㅡ ela perguntou assustada. ㅡ E o que está fazendo no prédio das meninas?

  ㅡ Alguém que certamente tem mais bom-gosto do que você. ㅡ o garoto debochou.

  Ele mantinha uma mão segurando algo debaixo da jaqueta preta.

  ㅡ Você por um acaso sabe quem eu sou? ㅡ Antonella sentiu-se mal no mesmo instante. Ela tinha renegado ao seu plano de ir para outro país desconhecido.

  ㅡ Não me importa quem você é, só me importa sair daqui o quanto antes.

  Drummond elevou os olhos para o volume sob a jaqueta:

  ㅡ Então quer dizer que está fazendo algo muito errado sob esse couro.

  O acastanhado rapidamente se abaixou à altura da loira, agarrando-a pelo casaco de pele que ele abominava tanto. Então a prensou contra a parede, seu antebraço fazia uma grande pressão contra a clavícula da estudante:

  ㅡ Não importa quem é a sua família ou quantos mil dólares esse ridículo casaco de pele custou, se você contar para alguém o que aconteceu aqui hoje, ao invés de uma foto de formatura, sua família vai receber sua cabeça.

  Antonella desejou ter ido mais vezes à academia, para ter força e empurrar aquele garoto maldoso, mas tudo que ela conseguiu foi desejar ao universo que ele a deixasse terminar de subir as escadas. E seu desejo foi atendido: o menino voltou a descer as escadas correndo.

Apartamento 21 - Lee KnowOnde histórias criam vida. Descubra agora