Talvez não fosse a melhor roupa para o segundo dia de aula num curso maçante, mas eram as roupas que sua madrasta comprava, e Antonella não podia reclamar: um cropped de mangas bufantes, que, graças à calça de alfaiataria de cintura alta, não permitia mostrar sequer uma faixa de sua barriga exageradamente branca. Idem o salto alto preto da Dolce & Gabbana.
ㅡ A primeira aula será no... ㅡ Ji Soo estagnou no meio de sua fala ao entrar no quarto com um pacote de salgadinhos na mão, que havia comprado na máquina de venda automática no final do corredor. ㅡ auditório de novo. ㅡ concluiu a informação, estarrecida com as roupas de Drummond.
ㅡ Aparentemente ela não tem outras roupas ㅡ disse a garota loira de nome So Yeon. E o intensivão de coreano que Antonella havia feito na noite anterior, só a proporcionou o entendimento das palavras "ela", "não" e "roupas".
A garota albina ajuntou seu material e bolsa:
ㅡ A máquina de vendas funciona com cartão de crédito?
ㅡ Sim ㅡ Ji Soo e Ye Ji, a ruiva do dia anterior, responderam em coro.
A melhor das opções para um café da manhã balanceado certamente não era uma barrinha de cereal com alto teor de açúcar, mas era um alimento pequeno, barato, e que manteria a hipoglicemia longe da loira até ela poder almoçar. Então a estudante pegou uma barrinha de cereal sabor chocolate e desceu as escadas, exibindo às outras garotas sua habilidade de correr com saltos nos pés.
Antonella se sentou no mesmo lugar que na manhã anterior: era onde o vento do ar-condicionado menos atingia seu rosto. Colocou os livros sobre o colo, quando seu olhar se deteve no reflexo do projetor sobre a parede do palco: I Simpósio de punção venosa.
Aquilo para ela era uma das matérias mais fáceis, uma das coisas mais simples de serem feitas na medicina. Então olhou em volta, procurando desesperadamente pelo garoto da jaqueta preta, porque se fosse para ficar ali, vendo uma matéria que Antonella sabia de cor e salteado, era melhor que fosse longe daquele ser nefasto e insuportável a seu ver.
O auditório encheu e a garota nem viu, estava concentrada demais procurando o rapaz que tanto odiava. A palestra enfadonha havia começado também, e maioria das considerações que o professor fazia, os calouros anotavam; não só os calouros, como também os alunos de sua turma. Nunca na vida Drummond havia se sentido tão deslocada e acima da média, nem mesmo quando pulou um ano no ensino fundamental.
ㅡ Que ângulo é 45° mesmo? ㅡ uma voz doce soou ao seu ouvido, e ela pensou que a pessoa não tinha falado consigo, mas, quando o ser que fez a pergunta não obteve resposta de nenhuma outra pessoa, viu que definitivamente a pergunta foi direcionada a si.
Antonella viu diante de si um rapaz novo, com os cabelos pretos lhe recaindo em franja sobre a testa, usava roupas que iam de acordo com a típica moda coreana "ulzzang", e encarava a loira como se ela fosse a veterana mais inteligente que ele pudesse conhecer na vida.
A garota agarrou uma caneta e demonstrou em seu próprio braço, a colocando no ângulo de 45°, um ângulo usado para tirar sangue.
ㅡ Obrigado ㅡ o garoto tomou notas em seu caderno que não parecia caber mais uma letra anotada. ㅡ A propósito, qual o seu nome?
O rapaz tinha um charme diferente, mas com a nuance da inocência se sobressaindo no sorriso branco e reto.
ㅡ Antonella Drummond.
Ele semicerrou os olhos ao catalogar o rosto da albina em seu longo arquivo mental de rostos mais bonitos já vistos durante sua curta estadia na Terra:
ㅡ Com dois L e dois M? Igual europeus?
Mias uma vez a garota não sabia se aquilo era um flerte dissimulado ou apenas a inocência de um jovem estudante de medicina, e mesmo assim aquela pergunta arrancou um risinho comedido de si.
ㅡ Sim, com dois L e dois M, igual aos europeus. E o seu?
ㅡ Yang Jeong In.
ㅡ É um nome legal.
ㅡ Você não é daqui, é? ㅡ Jeong In sabia muito bem que deveria se atentar à palestra, mas conversar com aquela desconhecida parecia muito mais interessante e produtivo do que escutar um senhor grisalho e calvo ensinando-o a tirar sangue, coisa que ele certamente precisaria mais tarde em algum momento de sua carreira profissional.
ㅡ Sou do Brasil ㅡ até anunciar isso em voz baixa, a ficha não havia caído de que ela estava literalmente do outro lado do mundo, fugindo de sua família egoísta que havia a enfiado numa faculdade que Drummond não queria, apenas para fingirem que a deixariam herdar a rede de hospitais. Mesmo sabendo que um primo distante e avarento tomaria o hospital por herança. ㅡ Vim estudar aqui por causa da educação.
ㅡ Foi uma bela escolha, nós estamos no topo em educação.
A parte herdada da mãe de Antonella, diria: "Educação? o negócio é jogar bola, quantas copas vocês têm?". Mas mesmo que a garota estivesse a todo custo tentando se desprender da parte rica da família (a única que sobrou desde que sua mãe faleceu), ela não conseguia dar uma resposta tão idiossincrática a um rapaz tão simpático.
O simpósio acabou, e Drummond agradeceu com cada partícula de seu corpo, porque se aquela conversa tomasse o rumo que ela imaginava que tomaria, a garota não conseguiria se segurar e jogaria na cara do garoto quantos títulos de copa do mundo a CBF possuía.
ㅡ A gente se vê por aí, Jeong In.
O rapaz a respondeu com um sorriso no rosto, e Antonella o presenteou com o barulho de seus sapatos de salto batendo contra o chão conforme ela se dirigia para fora do enorme auditório. Após guardar seus materiais de estudo sobre punção venosa em específico, a garota viu no corredor do refeitório da faculdade, um anúncio sobre apartamentos para universitários, com 2 quartos, cozinha, banheiro, sala e varanda.
Dois dias atrás, ela não se importaria muito com um anúncio daquele, mas recentemente havia reparado que as meninas faziam muito barulho quando voltavam de suas festas à noite, o que a incomodava fortemente. Então, enquanto comia a estranha comida coreana, falava ao telefone com a corretora de imóveis para agendar uma visita.
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Apartamento 21 - Lee Know
RomanceTalvez recomeçar a vida em outro país, vendendo flores para pagar o aluguel de um apartamento dividido com o pior garoto do mundo, fosse a coisa mais ousada que uma herdeira mimada pudesse fazer.