Temperança

214 20 11
                                    


Os dias na estrada eram longos, faziam pausas apenas para montar acampamentos temporários e preparar as refeições para todos os nômades. Estavam viajando em um grupo grande de pessoas, pessoas de etnias diferentes, vindas de todas as partes do mundo. Uma trupe de artistas que passou uma longa temporada na França, outra que se aventurou no norte de Marrakech, outras passando meses no Cairo... A Irmandade havia passado seis meses na Grécia antes de subirem pela costa até Istanbul, paravam em cidades pelo caminho, fazendo temporadas de apresentações semanais. Já estavam na Turquia há 2 meses, indo cada vez mais para dentro do continente europeu.

As noites nos acampamentos temporários eram agradáveis, trocavam muitas experiências com os outros artistas, compartilhavam histórias de suas andanças pelo mundo, suas aventuras e desafios, era uma troca valiosa e enriquecedora, estranhos que se uniam como uma família para celebrar o agora e honrar seus passados. Eram noites regadas de diversão, risadas, jogos, bebidas, comidas, dança, música e calor. 

Calor do fogo e calor da confraternização, era formidável.

-Vamos logo com isso, Layla, mostre-nos seu talento! 

Um dos garotos embriagados da trupe de pirofagistas encorajou-a na frente de todos ao redor da fogueira, puxou-a pelo braço para que ela se levantasse.

Layla deu um grande gole em sua bebida para tomar coragem, em seguida respirou fundo e se preparou para cantar.

Layla tinha uma voz doce, era quase como um soprano, inocente como uma criança. 

A maioria das músicas que ela cantava eram em árabe, sua língua materna.

Vinte e três pessoas compunham a plateia ao redor da fogueira, todos ficaram boquiabertos com o canto de Layla. Mas Layla ainda estava um pouco insegura, não entregava sua voz completamente e quando Najla percebeu, se levantou e caminhou até a carroça, pegando seu alaúde e voltando para a apresentação improvisada de Layla. Najla esperou o tom para começar a tocar o instrumento no ritmo certo para harmonizar com a voz de Layla, ao perceber as notas do alaúde, Layla encontrou os olhos afiados de Najla, que assentiu, fazendo Layla ficar mais à vontade para deixar seu canto mais fluído. Conforme a música se construía mais e mais, Najla podia sentir o aroma doce de sua magia emanando para Layla e envolvendo os outros, era seu encanto manifestado. Todos abraçaram o deleite da música, sintonizando com a vibração de harmonia que pairava no ar. Batiam palmas para acompanhar o ritmo, algumas pessoas se levantaram para dançar, Warda pegou seu pandeiro e acompanhou a melodia. Najla tinha dedos hábeis, dedilhava as cordas com precisão.

Na estrada, Najla costumava viajar vestida com calças de couro e túnica, trançava o cabelo e escondia o rosto com um lenço, preferia passar despercebida por chamar muita atenção, era reservada demais para interagir o tempo todo com todo mundo e ainda assim, seus olhos grandes e marcantes prendiam a atenção daqueles que reparassem um pouco mais. 

Mas em noites como aquela, Najla se sentia à vontade o suficiente para mostrar mais de sua beleza.

Quando Layla terminou de cantar e foi ovacionada pela plateia, ela correu para o lado de Najla, pegando o alaúde nas mãos e posicionando em seu colo.

-Sua vez, Nana. -Layla sorriu para Najla, que a encarou.

-Nem pensar! -Najla protestou. -Warda é quem vai dançar para todos, vou buscar a Darbuka.

Levantou-se e foi buscar seu instrumento na carroça, voltando rapidamente para a fogueira. Sentou-se no banco onde antes estava, posicionou a darbuka em sua coxa esquerda e aqueceu as falanges dos dedos. Virou-se para Warda que ainda estava sentada com o pandeiro na mão.

Dança da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora