Tortura

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Najla acordou desorientada, estava deitada num chão de pedra, coberta por uma grossa pele de animal, sentia cheiro de madeira queimando, olhou ao redor e viu uma fogueira acesa, o ambiente era todo de pedra, cavernoso. Perto do fogo tinha um pequeno caldeirão com uma colher de madeira sobre a tampa, comida recém feita. Ela ergueu o tronco com dificuldade, estava fraca, não se lembrava de muita coisa da noite passada, sentia uma dor aguda atrás da cabeça, seus olhos ardiam e sua garganta estava ressecada. Engatinhou até o caldeirão, sentindo o cheiro da comida, suas mãos tremiam, fracas. Pegou a colher e mergulhou no ensopado, erguendo-a até sua boca, comeu rapidamente, estava faminta, o sabor era muito agradável, como comida caseira. Ainda não entendia o que estava fazendo ali ou como foi parar ali, respondendo ao instinto de sobrevivência. 

Ela olhou para as paredes escuras da caverna, a uns metros de distância estava a entrada, luz entrava por lá, estava de dia. Najla terminou de comer, recuperando um pouco de força e parando de tremer. Se sentou perto do fogo, ainda confusa, não conseguia se lembrar de nada, estendeu as mãos para aquecê-las diante do fogo e sentiu uma fisgada na palma da mão direita, virou a palma para olhar o que causava aquela dor em sua mão e viu o corte irregular no centro da palma. 

Uma onda de choque passou por seu corpo, todas as memórias retornando e engolindo-a como uma avalanche. 

Seu corpo tremia violentamente, lágrimas ardiam na pele de seu rosto, sentiu cheiro de sangue, levou as mãos ao rosto e notou que seu nariz sangrava, seus olhos estavam arregalados, mal piscava, sua respiração estava oscilando, o ar parecia rarefeito. 

Estava tendo uma crise.

Sua mente estava embaralhada, os flashes de memórias da noite passada passavam como lâminas afiadas, seu coração pesava uma tonelada...

O coração.

Najla se lembrou da cena horripilante. 

Yuliy arrancando o coração de Layla na frente de seus olhos, profanando o corpo dela como se não fosse nada, colocando o coração de Layla numa bolsa de pano como se fosse um troféu. 

Seu estômago revirou, sentiu a bile subindo, o enjôo, a boca ficando amarga... Levantou-se correndo, cambaleando até a entrada da caverna, sentindo o estômago se contrair agressivamente, vomitando tudo o que tinha comido, continuou vomitando mesmo depois de não ter mais nada no estômago, ânsias violentas, seus olhos lacrimejavam, sua garganta fazia sons agonizantes, misturando a dor com o nojo e a repulsa em gemidos, soluçava num choro de perda imensurável. Seu peito parecia estar rasgado, parecia que o seu coração tinha sido arrancado, a dor era insuportável. Ela olhou para o chão manchado de sangue e bile, uma cena grotesca. 

Não sabe quanto tempo ficou ali, chorando. 

Aos poucos seu pranto foi diminuindo, a dor e o desespero deram espaço para o ódio. Ela tinha uma nova motivação e sabia que isso a condenaria junto. Sabia que ao vingar suas irmãs, se ela matar Yuliy ela irá morrer também, estava presa à ele por um pacto irresponsável, imprudente, impulsivo. 

Sentiu ódio de si mesma, como foi capaz de cair em uma armadilha como aquela? 

Como foi capaz de não ver? 

Ela sabia interpretar as intenções de todos apenas pelo tom de voz, como não percebeu? 

Não importava se estava em meio ao perigo iminente, à beira da morte certa, ela deveria saber.

 Não deveria? 

Era em momentos de desespero que ela devia estar atenta a absolutamente tudo... Certo?

Najla olhou ao redor, a mata era diferente ali, parecia estar em outra floresta, aquela floresta não emanava o aroma de magia ancestral, estava longe. Longe da chacina, longe da cidade, longe da pousada. A neve branca refletia a luz do sol, tudo era branco demais, claro demais, ela não conseguia enxergar direito, não estava usando Kohl nos olhos para adaptar melhor seus olhos à claridade, seus olhos doíam com a luz. As árvores eram tão secas que pareciam estar mortas, as pedras lisas e afiadas, a entrada da caverna era como uma grande rachadura, se estivesse passando perto da entrada da caverna, jamais imaginaria que ali tinha uma caverna, era uma camuflagem ótima. Ela voltou a se perguntar: Como foi parar ali? E onde estava exatamente? 

Dança da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora