Isa foi a primeira garota que eu conheci. Quando eu era criança chamava ela de amiga. Ela era dois anos mais nova que eu, era filha de Lidiana, uma vizinha minha. A gente brincava muito de casinha, ela ia todos os dias pra minha casa e muitas das vezes que a gente brincava era com os brinquedos dela. Ela sempre me dava um de presente depois da gente brincar. Me lembro de uma ovelha e duas corujas de pelúcia que ela me deu.
Um defeito que ela tinha, era me dar e depois querer de volta. Quando eu já estava apegada ao brinquedo ela vinha e levava ele embora. Isso me deixava mal, era uma situação tão constrangedora. Mas quando cresci percebi e entendi que apesar de ser horrível passar por isso, ela era uma criança, não adiantava nada ficar me doendo. Mas anos atrás eu ficava. Queria dar conselhos pra lay criança, talvez mudar escolhas e ações do passado moldariam que eu sou hoje. Repensar minha maneira de agir com as pessoas e ter mais segurança dos meus atos com certeza geraria efeitos. Ou talvez não.
Ela apesar de não ser minha amiga atualmente, fez parte da minha infância e tem um lugar na minha vida, é isso que a vida é. Um filme. Com cenário, onde há personagens principais, figurantes, trilha sonora... e eu com meu jeito quieta e não muito falante, fiz a personagem principal. Eu ainda estou me conhecendo, espero que nunca perguntem quem é a Lay, porque eu não saberia dizer. A criança que eu era anos atrás está aqui, mas por algum motivo ela fica presa, talvez tentando me mostrar que eu tenho que tentar, correr, sofrer, e lutar. Eu já me frustrei muito na vida, isso me atrasou e atrapalhou demais, deveria tentar ser alguém nesse mundo.
Quando brincava de casinha com Isa, eu sentia aquela felicidade de criança, era maravilhoso. Mas depois de um tempo essa felicidade passou. Os avós dela eram meio diferentes de mim e da minha família. Eram indiferentes comigo, pelo menos é o que eu sentia. E isso só piorou quando a mãe da Isa resolveu ir embora e tentar arrumar emprego, deixando a filha com os eles. A forma deles de pensar e agir até hoje é uma coisa que não concordo, e sendo uma criança, acho que foi fácil me traumatizar me dando bronca e colocar na minha cabeça que eu era toda errada, e que nunca ia acertar
Depois na minha entrada na Escola de ensino fundamental nível 1, que se chamava Cacim, que foi a minha primeira escola depois da creche, eu só via Isa a tarde, já que as aulas eram pela manhã. Durante as tardes que ela não ia na minha casa, eu ligava em um canal de TV e assistia todos os desenhos, programados. Eu passei a amar aquilo, o mundo da fantasia, criatividade, música, teatro e principalmente, desenho. Me lembro que tinha um programa chamado Art Attack. Nele eu via como começar a desenhar e a fazer várias geringonças com coisas que eu considerava lixo, um programa digno da dos anos noventa, mas eu assisti pela primeira vez no ano de 2013, quando eu tinha oito anos - acho que revelei minha idade aqui.
Me lembro da sensação de ver o programa, me lembro da sensação de ver os desenhos, filmes. Alguns viraram traumas de criança. Tipo o "Tango Balango" da TV cultura. O primeiro ritual a gente nunca esquece.
Hoje acho uma grande besteira, mas naquela época era estranho pra mim. Eu também gostava de uma música de um filme aleatório, que passou no mesmo canal, o desenho era de origem francesa (eu acho) e a música roubou minha atenção durante anos. Depois eu esqueci do filme e dela, quando a minha mente simplesmente desistiu de tanto procurar.
Mas acontece que enquanto fazia esse livro, eu tive que procurar minhas memórias e forcei minha cabeça a lembrar, e sim, eu lembrei dela. Se tiver um mínimo de curiosidade o nome do filme é "Max e companhia" e o nome da música tocada nele era " Habanera". Não recomendo o filme.Nas minhas contas foram cinco anos de puro entretenimento na TV. Tinha vezes que eu via desenhos com a própria Isa, a gente gostava de um em específico, "Dora Aventureira". Não sei o que se passava na cabeça da Lay criança, mas ela assistia todos os episódios. Hoje eu fico com raiva só de escutar a voz daquele ser. O desenho pra criança se encaixa como perfeito, nele a criança começa a falar palavras em inglês, que a Dora, ensina, mas ela pedi pra você repetir sendo que ela é um desenho. Ela fala coisas óbvias, e pior, parece esquizofrênica. Fala com uma mochila, um pedaço de papel, animais do seu quintal - se bem que tem uns que ela inventa da cabeça dela, então me identifico - também fala com um macaco de botas vermelhas. Sim, de botas ver-me-lhas. Doidinha completa. Eu odeio hoje em dia.
Eu fui me integrando, e aprendendo a mudar os canais e descobrir mais coisas, ai que eu achei dois novos canais de televisão, onde eu fiz a festa. Passei a revesar entre eles. Como eu sabia em qual horário passava cada programa, eu mudava de canal pra ver todos e não perder nada. Como sempre fui curiosa, eu fui investigar mais, e fui vendo mais e mais programas, até encontrar as famosas NOVELAS MEXICANAS. Nesse momento eu fui transportada pro México.
Acho aconchegante até hoje ver as aberturas e escutar as músicas, me lembra aquela época. O mais louco de tudo, é que mesmo você tentado refazer os passos, revendo a novela, filme, desenho ou qualquer outra coisa, não vai sentir como a primeira vez.
A primeira emoção você sente naquele momento, depois ela acaba. Dali você só terá lembranças, e talvez viva delas ou siga em frente. Eu sigo tentando hoje em dia, ao mesmo tempo em que meu sonho é voltar a viver mais uma vez aquela minha primeira infância.
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Os primos de Lay
Ficção AdolescenteLay é uma garota muito tímida e introvertida, que acaba criando uma fobia de pessoas diante dos acontecimentos de sua infância e adolescência. Ela encontra na sua imaginação um meio de fugir do seu medo de ter relações sociais.