Capítulo 3

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• Fernando •

Era só mais um dia de merda, daqueles sem importância alguma, e não teria se uma louca não viesse na contramão e batesse em meu carro. E o certo seria prestar o socorro, dar assistência e retornar à minha vida. Mas ela estava ali, tão assustada e com todo aquele sangue em seu rosto, despertando vários gatilhos. Liguei para a emergência, e quando achei que não poderia piorar, ela abriu os olhos. Bastou apenas isso para eu sentir toda aquela merda esquisita.

O telefone toca e eu escuto minha secretária Anna pedir autorização para anunciar meu melhor publicitário do outro lado da linha. E sim, ele fez merda.

Lucas: Sr. Zorzanello, eu fiz o possível e...

Fernando: Não, Lucas, você pode ter feito tudo, menos o que eu te pedi. Somos a porra de uma empresa de publicidade, oferecemos a nossos clientes uma equipe com amplo conhecimento de mercado para desenvolver e traçar as melhores campanhas que possam vir a contribuir com os objetivos gerais, seja aumentar o valor de vendas, expandir a cartela de clientes, além de melhorar a imagem da marca. Mas nunca, em hipótese alguma, fodemos com a imagem do cliente com uma campanha de merda dessas. Eu te dou vinte quatros horas para resolver, ou está fora!

Desligo o telefone, irritado. Dou um murro na mesa antes de ignorar outra ligação da minha irmã, que parece achar que o mundo passou a girar ao redor do seu casamento. Volto a minha atenção à papelada sobre minha mesa. E olhando todos esses dados, começo a questionar minha sanidade mental – ou a falta dela – já que agora, mesmo com tempo fodido, estou me dando o trabalho de focar onde não devo.

Ela é solteira, recém-formada, altura mediana, cabelo ruivo e olhos castanhos, definitivamente não é do tipo que costumo foder. Nunca vi tão linda, mas... merda, eu simplesmente não sei o que tem naquele olhar. Solto todo o ar dos pulmões e me concentro nos dados.

Maiara Carla Pereira tem vinte cinco anos, perdeu o emprego recentemente, se formou em jornalismo pela universidade de São Paulo. Abandonada pela mãe, foi criada pelo pai, que se encontra debilitado devido ao sério problema de coração. E como se não bastasse, eles estão prestes a perder o único bem que possuem. Sim, parece que tem gente que chama a desgraça.

Em todos esses anos, sempre me mantive atento a tudo e a qualquer pessoa que entrasse em minha vida. Tomando cuidado para não me deixar envolver de nenhuma forma com ninguém, e agora, estou aqui, obcecado pela garota desastrada que bateu em meu carro. Havia mandado Fernando (meu xará, mais conhecido como Sorocaba), meu melhor amigo e investigador, descobrir tudo a respeito dela. Sei que parece coisa de louco ficar investigando a vida de uma desconhecida, mas desde o primeiro momento que pus meus olhos sobre ela, não consigo parar de pensar naquela garota de olhos amendoados expressivos e cabelo ruivo. Ela não é alguém que tem um perfil que normalmente me deixaria interessado. A Srta. Maiara é apenas uma garota comum, com uma vida bem fodida. E após reler toda a papelada, tenho ainda mais certeza disso.

Não sou o tipo de homem que se compadece com outros, não depois de tudo o que tive que suportar nos últimos sete anos. Mas por alguma razão não consigo simplesmente deixar essa garota no passado e continuar meu caminho, mesmo isso sendo a coisa certa a fazer, afinal, nem a conheço. Não temos nenhum vínculo, e os problemas dela, com certeza, não são da minha conta.

Tenho meus próprios problemas para resolver e Maiara não pode se tornar um deles. Venho repetindo a mim nos últimos dois dias que já fiz mais do que o suficiente para ela, pagando as suas despesas no hospital e me certificando que ela esteja sendo bem cuidada, mesmo assim, não consigo não pensar em como ela e seu pai devem se sentir desesperados, sabendo que irão perder o único bem. Eles devem ter uma história naquele lugar. Maiara deve estar sofrendo por pensar no que fazer para manter os medicamentos do seu pai, as despesas... e droga, isso não é da minha conta!

Bato o punho sobre a mesa, espalhando alguns papéis e erguendo-me da cadeira, sentindo a frustração tomar conta de mim.

Fernando: Ela não é problema seu, Fernando! — rosno baixo, enquanto deslizo minhas mãos sobre meu cabelo.

Encaro o porta-retratos sobre minha mesa. Mikelly está tão linda, sorrindo para mim. Seu longo cabelo loiro caindo sobre seus ombros. Os olhos verdes brilhando em contraste com o sol. Ela era a única pessoa pela qual deveria ser responsável. Ela era a única pessoa que eu deveria proteger, e eu não estava lá quando ela se foi. Maiara não é ninguém e, com certeza, não devo nada a ela para que se aposse dos meus pensamentos assim.

Havia estado com Marco César, pai da Maiara. Vi a aflição dele ao saber do acidente da filha. E também pude ver o alívio em seus olhos quando lhe assegurei que ela estava fora de perigo. Pude ver a gratidão por tê-la ajudado. Foram pequenos detalhes que me fizeram ter empatia por eles e despertar em mim a vontade de ajudá-los. Há muito tempo que alguém não desperta um sentimento bom em mim, e é exatamente por isso que preciso fazer alguma coisa para que eles não fiquem sem sua casa.

Volto a me acomodar em minha cadeira e tiro o telefone do gancho, discando o número da minha secretária, que me atende no primeiro toque.

Fernando: Anna, ligue para o Daniel e agende uma reunião com ele ainda hoje.

Anna: Sim, senhor.

Encerro a ligação e me recosto na cadeira, entrelaçando meus dedos atrás da cabeça e encarando novamente a foto da minha noiva.

Fernando: Pelo visto, a escuridão não tomou conta completamente da minha alma, como imaginei — digo a ela, mesmo sabendo que Mikelly jamais poderá me ouvir.

Não se apaixone por mimOnde histórias criam vida. Descubra agora