Delicate • Pablo Gavi

Degustação

— Você está me desafiando?

— Eu estou afirmando.

— Não, não está. Eu conheço você.

Risos saem dos meus lábios pintados de vermelho.

— Você não sabe nem da metade da missa.

Estávamos petrificados em um embate crucial. A larva quente, fervendo como brasa, entrando em contato com a mais límpida água extraída. O ódio e a raiva se enlaçando em um único fio. E, por Deus, como eu gostaria de estrangula-lo com esse maldito fio.

Ele sorri com as minhas palavras, dando-me as costas e trilhando um caminho pelo vestiário em busca da sua camisa personalizada. Idiota. Odeio quando ele desdenha delas. Odeio quando ele desdenha das verdades que atingem o seu ego completamente inflado.

Mas para ele não. Eu que sou a aberração, a filhinha de papai e todas os mil nomes que ele insiste em me chamar a cada novo dia. É um convívio realmente perfeito, tanto que rezo aos céus cotidianamente para que esse tormento acabe logo.

Mas parece que o cara lá de cima não me ouve.

— O que você quer Serena? — Gavi encontra a peça da seleção espanhola e a veste, sem pressa alguma. Verifica detalhes inexistentes apenas para prolongar o seu teatro habitual e por um momento quase caio em sua armadilha sedutora. Subo rapidamente o meu olhar e me certifico de que o desgraçado notou o meu pequeno deslize. Ele sorri triunfante. — É só me dizer.

— Eu já disse. — suspiro irritada com os seus joguinhos de cinismo. — Eu preciso do pendrive.

Gavi me olha sugestivo, analisando minuciosamente o teor de minhas palavras enquanto ele sentava-se para colocar a chuteira. Eu não sei o que ele estava pensando ali, mas com certeza não era boa coisa. Provavelmente criando alguma maneira de tirar vantagem desse meu pedido.

Seu silêncio me faz esquentar novamente.

— Porra, o que você quer em troca?

— Por que esse pendrive é tão importante?

— Não interessa.

— De hecho si, me importa mucho. — o jogador finaliza o que antes fazia e vem até mim. Se aproximando, dessa vez perto demais.... E não demora muito para eu sentir o baque das minha costas contra a parede esbranquiçada.

Seu braço está apoiado nela, me deixando sem escapatória. Uma presa capturada pela caça. Eu odiava quando ele fazia isso. Quando me encurrala exatamente como um animal indefeso prestes a ser devorado. Era assim que a ciência explicava a relação de equilíbrio da cadeia alimentar mas a ideia de tê-lo acima da minha posição me incomoda. E muito. Mesmo que seja somente por alguns instantes.

E ele se diverte com isso.

A mão livre passeia pelos meus fios dourados, admirando a tonalidade como uma obra de arte. Gavi está preso em minhas feições e tão pouco parece querer romper. Seu toque é delicado e quente como a cor da camisa que vestia, não me permitindo saber se aquilo era bom demais ou não.

Eu precisava voltar ao foco.

— Me diga o que você quer de mim.

Ele fita os meus olhos.

Por segundos.

Segundos que pareciam minutos.

E antes que ele pudesse me dar uma resposta plausível, seu polegar escorrega pelos meus lábios avermelhados, me fazendo pensar que aquela atitude talvez deixasse a cor em sua pele, mas novamente ele não se importa. Passeia entre eles como se fosse a coisa mais interessante do mundo, sem nenhuma pressa com o jogo que começaria em meia hora.

Meus olhos se fecham com o seu toque e minha cabeça relaxa. Era uma carícia boa.... Terrivelmente boa. E eu queria questiona-lo do motivo de estar fazendo isso mas simplesmente as palavras me escapam.

Ele estava ganhando a nossa partida. Controlando o jogo com uma porcentagem alta da posse de minhas emoções, sem cogitar um possível contra-ataque porque ele sabia desmontar a minha estratégia de jogo. Ele sabia desarmar todos os meus passes raivosos e marcar pontos com a minha falta de sanidade porque eu em momentos como esse só poderia estar louca.

Incrivelmente louca.

— Eu quero você, Serena. Comigo. Todos os dias. A partir de hoje você é minha e não tentará lutar contra isso. Porque nós dois sabemos que é inevitável. E porque eu sei que você quer isso tanto quanto eu.