Abro os olhos pela manhã e percebo que estou deitado no chão do banheiro. A primeira coisa que vejo é uma barata andando debaixo do lavabo. Me sento ao lado da banheira e ponho a mão na cabeça, que estava doendo demais.
_Porra!
Pego meu celular para ver as horas.
_9:43... – Ponho a mão no rosto, então percebo que precisava estar em algum lugar. - O funeral!!!
Faltavam 17 minutos pra começar o funeral do Shawn, eu não podia me atrasar.
Fui até a pia para lavar o rosto, e encarei o meu reflexo no espelho por alguns segundos. Minha aparência não poderia estar pior, qualquer um que olhasse para mim saberia que eu estou péssimo. Parecia que eu não dormia a dias com aquelas olheiras, o azulejo havia marcado uma de minhas bochechas e eu ainda achei uma pequena aranha morta grudada em meio aos meus desarrumados fios de cabelo loiros, a qual eu joguei no chão assim que vi.
O melhor que eu podia fazer agora era usar um pouco de gel e colocar uma roupa decente antes de ficar diante de outras pessoas.
Coloquei o único terno que eu tinha, já quase não me servia, e até pensei em colocar óculos escuros, a claridade estava me matando, mas usar um no funeral ia dar muito na cara, e eu não queria que soubessem que eu tinha bebido todas ontem.
Saindo de casa, chamei um táxi e fui para a igreja. Cheguei em cima da hora na capela, 9:59, por fora eu parecia apenas cansado, mas por dentro eu estava horrível. Entrei e vi Cathy me chamando pra sentar perto dela lá na frente, estava me esperando.
Fiz sinal que já ia, então fui em direção aos meus colegas da polícia. Eles estavam com o uniforme formal da polícia, eu tinha me esquecido desse detalhe. Mesmo assim, nenhum deles deu importância. Os cumprimentei brevemente, depois fui me sentar ao lado de Cathy, que estava cabisbaixa, aguardando o padre começar a cerimônia.
_Como você está? – Pergunto a ela.
_Sinto falta dele... – Ela diz, chorando baixo.
_Eu também... – Ponho a mão em seu ombro.
O padre chegou, 4 minutos atrasado, e a cerimônia começou. Primeiro ele orou conosco, e eu orei junto, mesmo sendo agnóstico, era pelo Shawn. Depois começaram a chamar as pessoas que iam discursar.
O irmão mais velho de Shawn falou primeiro, depois nosso capitão, e o comissário da polícia da cidade. Não consegui prestar atenção em metade das coisas que falavam, minha cabeça estava latejando. Por fim, era minha vez.
Me levanto e olho pra Cathy, ela acena com a cabeça pra mim. Vou até o púlpito e olho para as pessoas presentes, engulo em seco, e então começo:
_Shawn era leal, engraçado, um ótimo cadete e um ótimo amigo. Também era um grande fã dos NY Giants.
Sinto meu estômago revirar, mas disfarço e continuo:
_Como alguns de vocês sabem, nós éramos amigos desde o ensino médio, e eu tenho muita história pra contar sobre ele desde antes da academia de polícia, mas eu vou contar uma que aconteceu na nossa segunda semana no departamento: Nós recebemos um chamado de invasão domiciliar no sul do distrito. A senhora que nos ligou abriu e porta e apontou para a sala de estar, "ele está ali". Eu e Shawn fomos indo sorrateiramente até lá, já empunhando nossas armas, até que a gente viu o invasor, era um bode.
Algumas pessoas presentes riram.
_A gente se olhou e começou a rir, e a senhora ficou toda sem graça, então o bode correu pro nosso lado. Vocês deviam ter visto a cara do Shawn, o bode derrubou ele e começou a correr pela casa toda, eu tive que pegar o bode pelos chifres pra levar pra fora. A senhora nos agradeceu e fechou a porta. E então estávamos lá, eu, o Shawn e o bode, e eu disse "Eaí, o que a gente vai fazer com esse bode?". Ele também não fazia ideia, então ele pegou o rádio dele e falou pra central "Shawn Casey para a central, temos um bode sob custódia!".
Todos riram, até eu ri um pouco.
_Enfim, todo mundo se divertia muito com ele, ele era um bom homem e tinha um bom coração. Vamos todos sentir falta dele...
Então eu desço do púlpito e passo perto do caixão:
_Adeus, amigo... – Sussurro.
Volto a me sentar com Cathy enquanto o padre profere o encerramento.
_Foi um ótimo discurso. – Ela disse.
Eu, o irmão de Shawn e quatro colegas meus fomos carregar o caixão. Carregar peso estando de ressaca era 10 vezes pior do que sem, mas eu tive que suportar a dor e o mal estar. Finalmente chegamos perto da cova e deixamos o caixão ali pra baixarem. Fui de fininho pro fundo da multidão até não estar no ponto de visão de ninguém, então corri pra trás de uma árvore e vomitei.
_Que merda...
Limpei a boca na manga do paletó, me recompus e voltei pro funeral, no fundo da multidão. Vi de longe ele ser enterrado, e Cathy chorando, algumas lágrimas escorreram pelo meu rosto. A cerimônia acabou e a multidão foi embora, se dispersando. Fiquei alguns minutos lá, parado na grama, olhando para a lápide...
Sai do cemitério, de cabeça baixa, sozinho, e fui na farmácia da rua de cima comprar um remédio pra ressaca.
Meu capitão tinha me dado o dia de folga, então eu não tinha mais nada para fazer hoje. Fora da farmácia, engulo um dos comprimidos que eu comprei, sem água. Sento na calçada e fico olhando os carros passando.
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Crimes para esquecer [Degustação]
General FictionEssa obra busca conscientizar o leitor sobre o alcoolismo, a depressão e a importância do tratamento psicológico. Sinopse: Collin Burkhart é um policial novato que não consegue superar um acontecimento traumático de seu passado. Quando seu parceiro...