Capítulo 6 - Como um saco de batatas.

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Wednesday Addams: Point of View.

— Você está ficando maluca? — É a primeira coisa que sai por impulso dos meus lábios quando uma de minhas mãos, também impulsivamente, agarra um dos braços de Enid Sinclair. Estávamos no meio do corredor em caminho à aula, logo depois de sair da sala da diretora. Ninguém estava por perto, e talvez fosse por isso que eu estava tão aberta a falar com ela dessa forma. 

— Maluca? — Ela se afasta um pouco, com o cenho franzido como se eu estivesse a culpando de ocultar um cadáver. — Não fui eu que bati em alguém, Wanda.

Dessa vez, logo após essa sua fala, eu me afasto, deixando de tocá-la e segurá-la pelo braço. Ela volta a andar pelo corredor para ir para a sala de aula assim que eu a solto, como se não tivesse nada mais interessante no mundo do quê sentar em uma cadeira de plástico e prestar atenção em literatura inglesa.

"De nada, Wanda, você me salvou de um idiota." — Faço a tentativa de imitar a voz dela, como se fosse Enid que estivesse de fato me agradecendo. — Ou então um: "Wanda, você realmente é me salvou de um assédio". — Faço uma pausa, seguindo-a ainda. — "Oh, Wanda, como posso devolver o favor?"

Chega, Wanda. Pelo amor de Deus. — A garota loira mais baixa para tão bruscamente que nossos corpos se batem, nossa. Por quê ninguém havia me avisado que seria tão irritante namorar com essa criatura de um e sessenta? O único favorecimento que eu vejo é que seria mais fácil cavar uma cova para ela, se ela me irritasse demais. — Ou você quer levar um soco também? — Enid entra em posição de defesa. Como se ela realmente pudesse se defender de mim, que engraçadinha. E que engraçado seria vê-la tentar. 

Meus olhos rodam em volta do corredor, checando se realmente não havia ninguém por ali. Em um ritmo normal, saia um ou outro aluno da aula. Mas não sairia ninguém da nossa sala por um tempo, já que Ajax e Bianca estariam lá, e as fofoqueiras de plantão estariam tentando absorver as duas fofocas simultâneas. É óbvio que Ajax estaria contando a versão falsa. O que me fazia ter mais um pouco de raiva, de novo. Mas quem se importava com isso?  Quando confirmo que a porta da diretoria tampouco iria se abrir, meu corpo se dobra pela metade e alcanço os joelhos de Enid, derrubando-a. E antes que eu possa ouvir o barulho do seu corpo batendo no chão, a jogo rapidamente em cima do meu ombro. 

Que diabos você está fazendo? — Ela grita, e eu belisco a parte de trás das suas coxas, enquanto a seguro para que ela continue no lugar, dobrada no meu ombro como um saco de batatas. Ela era leve e fácil de carregar. De novo: mais fácil de colocar numa cova. Por mais que não fosse a intenção que eu tivesse com ela agora. 

— Estou colocando ordens, princesa. — Debocho, e então não demora muito para que cheguemos ao banheiro pelo jeito rápido que eu caminho, deixando-a sentada na pia de mármore resistente. — Você vai me ouvir.

[...]

Garota teimosa dos infernos. Meu subconsciente faz questão de repetir para mim, como se várias pessoas estivessem afirmando o mesmo tempo a mesma frase, a mesma coisa: que Enid precisava de regras. Eu poderia ter certeza que isso era uma ironia da vida, um karma que foi jogado sobre mim. O universo já sabia o quanto eu odiava de ser contrariada, e pela pior das hipóteses, enfiou milagrosamente na minha vida a menina mais teimosa e metida do mundo.

Não é como se você não tivesse aceitado isso de braços abertos. Minha mente joga contra mim, como se uma parte do meu subconsciente estivesse em guerra com a outra. Que engraçado! Uma piada dentro de mim. 

Consigo enxergar Enid morder os lábios, aposto que estava curiosa. Em seus olhos claros ela fazia questão de carregar um tipo de brilho especial. Como se estivesse curiosa e disposta a ouvir agora. Ou será que eu estava imaginando mais do que deveria?

— Você vai falar de uma vez, ou eu posso finalmente ir assistir à aula? — Mesmo que sua pose pareça impenetrável, a loira carrega consigo também um tipo de divertimento na minha voz. Oh, então essa coisinha pequena e frágil decidiu me irritar? Que perigoso. Aposto que ela sairia horrorizada se pudesse passar um tempo em minha consciência. 

— Eu vou falar, princesa. — Um sorriso divertido se permite também surgir na lateral de meus lábios tonalizados com um batom escuro desde a manhã, do jeito que eu sempre gostei. — Confesso que eu não gostei do modo no qual o Ajax se dirigiu à você, está satisfeita?

Como uma coisinha pequena, realmente curiosa, ela admite que não está satisfeita com um balançar leve de cabeça, de um lado para o outro. Uma negação que chegava até ser adorável.

— Ele estava a um ponto de ser lesbofóbico. E por mais que você não seja assumida, não é necessário que você se dê um rótulo para ele entender que você gosta de mim e que eu gosto de você. É o suficiente. — Eu não sabia como todas aquelas pessoas na literatura pareciam assustadas ao falar sobre sentimentos. Eram só palavras. Palavras simples. Não me incomodou, é claro que não te incomodou, não é real. Minha mente reclama, de novo interrompendo meu fluxo natural de pensamentos, mas ainda parecia que Enid estava encantada com o que eu estava falando.

— Acho que agora, que entendo o que você fez, eu posso te agradecer. — Ela faz uma pequena pausa, colocando um fio de cabelo loiro atrás de sua orelha. — Obrigada, Wanda. Isso realmente significou algo para mim. Nos encontramos no meu treino de torcida, mais tarde. Me visite!

Com isso, como se fosse algo do dia a dia, como se fosse algo que beirasse o normal do que nós duas éramos, ela se levanta da mármore que até então se apoiava, e se inclina em minha direção, deixando um beijo no canto de minha boca. Tão simples quanto ela fez, simples assim ela deixa o recinto.

Mentiras de momento (Wenclair)Onde histórias criam vida. Descubra agora