Capítulo 3 - A primeira aparição é a mais importante.

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Enid Sinclair: Point of View.

Meu visual casual estava pronto às oito e meia, e agradeço a ansiedade de hoje por ter cooperado comigo — fazendo o tempo correr e eu acompanhá-lo — em vez de me atrapalhar. Eu ainda nem havia tido os pés fora de casa, e a ansiedade já estava me agarrando de um lado. Para me concentrar, respiro fundo e repito um pequeno mantra para que meu cotidiano fosse carregado de boas surpresas. Mais una vez, aliso meu vestido de vingança: não se comparava ao de Lady Di, que se vestia com roupas de alta costura, não era parecido nem em recorte e em cor. Mas era um vestido de vingança.

Veja bem: minha vida toda, eu estive numa grande roda de necessidade de aceitação. Antes, quando não era eu que precisava implorar para ser aceita, eram minhas amigas. Até que o cansaço me alcançou antes, e eu obtive a consciência de que não é necessário para ninguém buscar aprovação em outros. O que eu havia feito por muito tempo, parou. Agora, a aprovação só era em mim. Eu, Enid, minha consciência, meu cérebro, com os meus pensamentos, neurônios e tudo. Somente eu.

E não havia nada mais que eu queria do que ver aquelas pessoas engolindo suas palavras, Ajax com raiva do que me fez passar, e a tranquilidade acerca do meu nome que iria se instalar novamente. Tudo, mais uma vez, ficaria sob o meu controle, bem como eu já estava acostumada.

Então, hoje, meu dress code de vingança se baseava em meu uniforme de torcida, que fazia questão de salientar minhas curvas muito bem: o uniforme azul era composto por uma blusa curta de mangas, com detalhes em branco e azul tiffany ao mesmo tempo, enquanto descia até por um palmo abaixo dos meus seios e revelava um filete da minha barriga chapada (?). Já a minha saia cobria centímetros antes do meu umbigo, e formava-se pregas, como um uniforme de torcida azul tradicional. Meus pés eram abraçados pelo meu all star costumeiro branco, o que completava o meu uniforme de treinos em dias de semana. 

Dessa vez, eu inspiro e prendo minha respiração quando vou entrar na escola pela porta principal por motivos diferentes, as minhas mão suavam e com certeza a minha parceira atual não gostava disso. As mãos que as minhas enroscavam estavam frias, sem sentimento, e não apertavam de volta as minhas por ansiedade como eu tinha o grande costume de fazer. Muito ao contrário, Wednesday Addams estava preparada para isso como se isso fosse o momento da sua vida. Uma atriz muito boa, devo ressaltar. Queria poder saber suas técnicas e entender como ela poderia ficar tão calma num momento desses.

A primeira aparição é a mais importante. É o que minha mente repete para meu subconsciente. Isso é só a resolução de um problema, Enid. Minha mente continua falando comigo até que preciso tomar a decisão de ignorá-la. E, ao meu último suspiro, entramos na escola.

Parece que tudo se torna mais papável e em câmera lenta quando os nossos passos nos fazem deslocar pelo corredor. Era normal andar de mãos dadas, claro que era. Mas quando você não tem o costume de ser permissiva e aparecer em público com tantas pessoas assim, outra fofoca surgiria: um namoro. Eu já conseguia ouvir as outras pessoas falarem, mesmo que em sussurros, e criarem teorias para isso. Até então, eu nunca tinha aparecido com Addams em público, e com toda certeza éramos conhecidas por uma implicância — até mesmo acadêmica — insuportável. Ela era a melhor no que eu não conseguia ser, com sua pose de inalcançável e anti-social. Ninguém, além de Eugene Ottinger — um garoto adorável demais para socializar com Wanda —, e seu irmão, Pugsley Addams. 

O estranhamento das pessoas e as suas caretas para a confirmação não-verbal de que estávamos juntas também era papável, mas agora estava se dando por algo engraçado. A caminhada pelo corredor parece longa, até que nos viramos na sala da primeira aula que teríamos juntas nesse dia: literatura inglesa. Como combinado, nós nos sentamos juntas — o que me trás uma pequena surpresa e me faz expressar um sorriso ladino. Wanda Addams realmente estava seguindo "ordens", mesmo que eu tive que vir o caminho todo dirigindo meu Jepp colorido ouvindo o quanto ela não iria combinar comigo em cor, e sobre sua rotina ocupada de pesquisar espécies com a professora de Biologia II. A fiz ouvir e possivelmente gravar os dias que eu treinava torcida no colégio para o time de futebol, frizando o quanto era importante que ela viesse me ver. Não estava totalmente segura de que ela viria, de fato, mas quem diria que não?

— Então você está mesmo namorando com a Wanda? — Ajax desliza para a primeira carteira da sala, se aproveitando do espaço que ninguém havia ocupado ainda, já que eu me sentava na segunda. Wanda estava sentada ao meu lado, alheia e mexendo no seu caderno de desenho escuro, como se realmente não houvesse um mundo ao seu redor. 

O meu olhar vacila entre meu material escolar e os cabelos pretos, hoje, presos em um coque envolto de tranças planejadas de Wanda. Minhas costas se encostam na cadeira, relaxada, tentando manter minha pose despreocupada. Eu estava morrendo de medo que alguém descobrisse essa pequena armação. Não tinha ninguém no banheiro, ninguém tinha acesso ao meu celular e muito menos ao de Wanda — chute pelos seus hábitos restritivos —, então, ninguém sabia. Ajax só era um curioso que gostava de colocar o seu nariz muito grande em lugares que não pertenciam.

— Estou sim, namorando com Wanda. Você tem algum problema com isso? — É difícil recuperar uma Enid Sinclair segura quando eu estive prestes a perdê-la há alguns dias atrás, principalmente por fofocas desse babaca sentado há minha frente.

— Você é lésbica, gatinha? Não parecia quando deslizou a língua pelo meu— 

A sequência de ações acontece tão rápido que meus olhos só registram porque meu olhar já estava preso no olhar repugnante de Ajax. Mas Wanda, que realmente parecia estar alheia desde antes, se levanta numa rapidez que poderia ser considerada sobre-humana, fechando sua mão em punho e empurrando-a tão forte que se o mundo fosse realmente em câmera lenta, eu poderia vê-la afundando a pele e os músculos faciais de Ajax. Ele cospe sangue no chão e consigo ver a presença de uma mancha vermelha — claramente com potenciais de ficar roxa nas horas seguintes — em seu rosto. Wanda havia feito isso. Ela havia batido em Ajax.







Mentiras de momento (Wenclair)Onde histórias criam vida. Descubra agora