01 - Estágio

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ʜᴏᴘᴇ ғᴇʀʀᴇɪʀᴀ

Minha vida sempre se resumiu a engolir o choro e seguir. Era uma frustração após a outra, onde me tornei uma pessoa desconfiada. Atualmente estou morando em Barcelona e faço faculdade de fisioterapia. Essa nunca foi a minha primeira opção de curso, mas é interessante.

Mudei-me há uns três anos sem fazer nenhum planejamento, pois foi tudo de última hora. Cheguei na Espanha com dezessete anos e uma enorme vontade de deixar tudo para trás. Hoje tenho vinte anos. Começo meu primeiro estágio amanhã. Estou nervosa porque não será em um lugar qualquer, mas sim no centro de treinamento do Barcelona.

A adaptação foi complicada no início. País diferente, onde não conhecia absolutamente nada e não tinha aonde ir. Graças a um curso que fiz quando morava no Brasil, já era fluente no espanhol. Tudo foi melhorando com o tempo. Divido o apartamento com Nathy, minha amiga de infância que se mudou comigo. Fazemos cursos diferentes, mas no mesmo turno e universidade.

Queríamos empregos, e Enzo, namorado da Nathy, conseguiu duas vagas em uma lanchonete. Ele queria nos contratar no restaurante da família dele, entretanto queríamos um lugar próximo à faculdade. Pedi demissão quando soube que iria começar meu estágio.

— Você está me ouvindo?

Levanto a cabeça e vejo Nathy em minha frente. Olho para televisão e noto que o filme que coloquei já está nos créditos finais. Devo ter ficado pensativa por muito tempo.

— Estou pensativa — falo.

— Sobre o quê? — minha amiga pergunta.

— Não sei se quero estagiar no CT — revelo.

— Nossas conversas não serviram para nada? — questiona. — Você se esforçou para merecer um estágio em um bom lugar.

— Estou com medo de não conseguir fazer um bom trabalho — confesso.

— Você está ansiosa porque amanhã é um dia importante — fala. — Tenta descansar, e conversamos pela manhã.

— Tenho certeza que não vou conseguir dormir — digo, suspirando.

                                       •   •   •

Termino de me arrumar, faço uma oração e vou à cozinha. Encontro a mesa posta e uma cartinha. Sento à mesa e começo a ler a carta do Enzo, onde ele informa que está no restaurante e deseja boa-sorte. Não consigo conter o sorriso. Ele está se tornando meu irmão mais velho. Nathy aparece ao meu lado, me dá um abraço e informa que irá ligar para Enzo para perguntar qual o ônibus devo pegar.

Ele atende a ligação e explica com calma o que queremos saber. Como não consigo comer, decido conversar um pouco com Enzo também. Ele e Nathy conseguem me tranquilizar. Olho a hora, dou tchau para eles e informo que não quero chegar atrasada. Minha amiga decide me acompanhar e ficar comigo até o ônibus chegar. Saímos do apartamento e fazemos o mesmo trajeto até chegar ao térreo.

— Ainda está muito nervosa? — pergunta, enquanto nos encaminhamos para o ponto de ônibus.

— Não tanto, mas vou ficar assim que chegar lá — digo.

— Vai dar tudo certo, amiga — diz ela. — Tenho certeza que você é a melhor de todas.

— Não quero ser a melhor — falo. — Não ser a pior já é o bastante.

— Você vai ser a melhor fisioterapeuta do mundo — ela afirma.

— Vou dar meu melhor, mas isso não quer dizer que serei a melhor — digo.

— Espero que você encontre algum gatinho — fala ela, rindo.

— Não quero encontrar ninguém — afirmo. — Estou indo trabalhar, Nathalia.

— Mas e se aparecer alguém? — questina.

— Não vai — falo.

                                         •   •   •

Muro alto, alguns seguranças circulando, pessoas vestindo camisas do Barcelona e com celulares na mão. O portão é aberto e alguns carros adentram o local, fazendo com que gritos passem a ecoar. Concluo que os jogadores estão chegando e fico nervosa. Estou quieta, entretanto os outros dois estagiários estão falando desde que nossa reunião na cafeteria acabou.

O fisioterapeuta que estou nos acampando dá mais alguns avisos, informa aonde devemos ir e nos deixa na recepção. A única informação que consigo assimilar é que precisamos preencher alguns documentos antes de pegarmos nossas credenciais. Pego os documentos e uma caneta com a recepcionista, sento em uma cadeira e analiso os papéis.

— Vamos lá.

— Falou comigo? — perguntam.

— Não! — respondo, rápido.

— Você fala sozinha? — questionam.

Levanto a cabeça e vejo um dos estagiários rindo.

— Só quando estou nervosa — falo.

— Cuidado para não pôr nenhuma informação no lugar errado — alerta ele.

— Certo, obrigada — falo, agradecida.

Começo a ler e preencher tudo com calma. Sinto vontade de ir ao banheiro e sou consumida pelo nervosismo. Decido parar um pouco e fecho os olhos na tentativa de normalizar a respiração. Não sei por quanto tempo fiquei assim, mas entro em desespero quando não vejo os outros estagiários e não consigo lembrar aonde devo ir.

Custava me esperar?

Suspiro frustrada, ignoro minha cabeça latejando e leio com calma. Quando termino, passo a mão na lateral do meu rosto, arrumo o cabelo, levanto e vou até a recepcionista. Sou informada que preciso aguardar um pouco para pegar minha credencial. Penso em pedir ajuda, mas descarto a ideia no mesmo instante. Ela iria concluir que minha desatenção é por falta de comprometimento com o estágio, o que é mentira.

Pego a credencial, agradeço e minha entrada é liberada. Adentro o local em passos largos. Olho ao redor tentando encontrar algum segurança ou os meninos que estavam comigo, mas não encontro. Têm tantas opções de caminhos, que fico sem saber aonde ir. Sinto meu estômago embrulhando e concluo que preciso tentar encontrar um banheiro.

Dou mais alguns passos e puta que pariu! Como vou encontrar um banheiro estando em frente a um corredor que parece não ter fim? Solto a respiração lentamente. Visualizo o lugar com atenção antes de adentra-lo. No meio do percurso, preciso optar por qual lado seguir e vou para o direito. Minha consciência me diz que estou escolhendo errado.

Volto e vou para o lado esquerdo. Sinto uma tontura e paro um pouco. Deveria ter tomado café da manhã, mas agora não posso fazer mais nada. A fome está se misturando com o nervosismo. Passo as mãos na roupa, começo a repetir mentalmente que vai dar tudo certo e sigo meu caminho.


𝐎 𝐀𝐌𝐎𝐑 𝐀𝐂𝐎𝐍𝐓𝐄𝐂𝐄 - ᴘᴇᴅʀɪ ɢᴏɴᴢᴀʟᴇᴢOnde histórias criam vida. Descubra agora