1) Um Novo Coração

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"No coração, talvez, ou diga antes:

Uma ferida rasgada de navalha,

Por onde vai a vida, tão mal gasta.

Na total consciência nos retalha.

O desejar, o querer, o não bastar,

Enganada procura da razão

Que o acaso de sermos justifique,

Eis o que dói, talvez no coração."

José Saramago, Os Poemas Possíveis


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Tem certos momentos na vida que a gente não sabe muito como explicar ou reagir muito bem, porque no fundo nunca achamos que aquilo realmente aconteceria, pelo menos não com a gente. Coisa de filme ou de livro, é como todo mundo fala né?

E tudo fica meio de cabeça para baixo quando percebemos que aquilo que só víamos em obras ficcionais está acontecendo bem em frente aos nossos olhos e diferente de tudo que eu já li antes, não tem nada de legal com a história da minha vida, mas assim como todo protagonista eu preciso sorrir e dizer que está tudo bem. Mesmo que seja puro fingimento.

— Vai ficar tudo bem. Não precisa de tanto drama assim, mãe. — Ri baixinho e passei as mãos pelos cabelos mais como um habito do que por realmente achar graça.

A situação não tinha graça. Eu fazia muito isso nesses momentos e minha mãe sabia, afinal, conviveu comigo durante os quase vinte e dois anos que tenho de vida e por pelo menos doze desses anos ela esteve ao meu lado de forma muito mais intensa do que a maioria das mães costumam estar.

— Como posso ficar calma? Isso é sério, Jimin. Você pode não voltar e o que eu vou fazer da minha vida? — Seus olhos chegavam a estremecer e brilhar pela presença das lágrimas que teimavam e lutavam pra não cair. — Já passamos por isso antes.

Certo. Ela tinha um ponto, eu realmente poderia não voltar dessa vez.

— Se eu não fizer o transplante posso morrer. Se eu fizer o transplante também posso morrer, então qual a diferença? — Constatei com a frieza que os anos convivendo com esse mesmo assunto me fizeram adquirir. — Pelo menos eu estou tentando, não é?

Em meio a situações ruins sempre existe o momento de desistência, acho que todo mundo passa por isso em algum momento, eu passei por isso. A psicóloga sempre tentou me fazer encarar essas situações como uma etapa e que etapas tem suas dificuldades, assim como jogos de videogame e suas fases em que da mais vontade de tacar o controle contra a parede do que tentar passar daquele boss chato sem morrer.

Eu estava me segurando para não arremessar o controle da minha vida contra a parede e o transplante era a ultima arma secreta para enfrentar essa fase final e matar esse boss de uma vez por todas. Ou quem morreria seria eu e sem vida extra.

— Nossa, filho, você fala de um jeito.

— E como eu vou falar disso então, mãe?

O médico havia dado um tempo para que eu e minha mãe tivéssemos nosso momento a sós. Não que ele achasse que eu fosse morrer, quer dizer, isso todo mundo achou em algum momento, mas era uma atitude normal antes de um procedimento tão difícil e longo como aquele. Foi exatamente assim da outra vez. As mesmas questões, os mesmos medos e as mesmas lágrimas. Como um capítulo repetido no livro da vida.

Pela Primeira Vez - JikookOnde histórias criam vida. Descubra agora