Número Seis

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Estávamos na sala da casa de Nicolas. O aroma dos biscoitos que Marta fazia preenchia o ar e fazia meu estômago roncar. Era uma tarde gostosa, a aula havia sido interessante e eu não tinha mais com o que me preocupar.  Encarei meu melhor amigo pelo canto do olho e vi o quanto ele estava focado no filme. Acariciei a almofada roxa em meu colo e comentei:

- Esse filme é chato.

- Não é não - ele negou sem tirar os olhos da televisão - E fica na sua.

Revirei os olhos e me calei, o rapaz estava estranhamente quieto hoje, por mais que tenha prometido que tudo estava bem. Tentei focar a atenção na televisão, mas aquele filme me fazia bocejar a cada dez segundos. Por sorte estava acabando. 

Quando o filme finalmente chegou ao fim, franzi o nariz e reclamei:

- Duas horas jogadas fora!

- Se reclamar mais uma vez eu coloco de novo - Nicolas apontou o controle para a tv - Mãe, os biscoitos estão prontos?

- Quase - Marta gritou da cozinha.

- Estou com fome - meu amigo fez careta.

Tentei esconder minha surpresa ao ver que meu amigo enfim sentia fome. A esperança preencheu meu coração, afinal, era sinal de que ele estava tendo alguma melhora né? Depois de tantos medicamentos que tiravam qualquer apetite dele, era bom ver uma centelha do meu antigo amigo.

A mãe dele com certeza pensou a mesma coisa, pois quando veio deixar a bandeja com os biscoitos e suco de uva, seus olhos estavam marejados. Meio que ignoramos isso, da mesma forma que fingimos que todos esses momentos de emoção e esperança não acontece. No início eu estranhava essa insensibilidade de Nicolas, mas depois percebi que Marta não queria parecer vulnerável ao filho e Nicolas não queria se sentir culpado por isso. 

Eram momentos desconfortáveis, de fato, porém todos nós fingimos que ela não assoou o nariz em um guardanapo e o enfiou no bolso. Talvez se fosse outra pessoa, teria limpado a garganta e tentado sair daquele cômodo o mais rápido possível. 

Mas era apenas eu, então mordisquei um dos biscoitos e elogiei:

- Está incrível Marta!

- Obrigada - ela encarou o filho ainda cheia de esperanças - E você? O que acha?

- Está bem bom - falou com a boca cheia - Deveria trabalhar com isso mãe, seus turnos estão cada vez mais puxados e a senhora cozinha muito bem. 

- Quem sabe um dia - ela dispensou a ideia com um aceno - Bem, vou ir pro meu quarto agora, qualquer coisa me chamem. Tive um turno difícil e adoraria dormir um pouco antes de voltar ao hospital. 

Assentimos em concordância e devoramos o lanche. Marta provavelmente chorou antes de descansar de fato, mas eu conversei alto o suficiente para abafar qualquer ruído vindo de seu quarto. Quando acabou de comer, Nicolas passou a mão pela barriga satisfeito e perguntou:

- Agora me diz qual o próximo item da lista?

- Vou ir pegar - avisei.

Estiquei-me para pegar a bolsa e procurei pelo envelope. Tínhamos chegado à metade da lista e isso fazia com que surgisse uma porção de sentimentos em mim. Eu evitava comentar sobre isso exaustivamente, mas minha sensação era de que tudo estava passando rápido demais e que em breve acabaria de uma vez, o que me causava ansiedade e nervosismo. Peguei o envelope e o entreguei ao meu amigo enquanto afirmava:

- Espero que você goste dessa vez.

- Eu sempre gostei dos seus itens. Agora vamos ver o que você decidiu aprontar - ele brincou e leu - Número seis: adotar um animal.

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