Desespero 2

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Nicolas demorou mais de um dia para acordar. Enquanto isso, tentei me focar nas recuperações que precisaria fazer em algumas matérias, mas simplesmente não consegui. Meu medo de perder meu amigo era enorme, então gastei praticamente todo o meu tempo pensando nele. 

Quando Marta me mandou a mensagem notificando que ele acordou, quase gritei de felicidade. Levei meu material até o hospital – apesar de ser inútil, pois tinha certeza que não iria estudar nada – e minha mãe não se opôs a minha saída.

Tinha passado a noite em claro e consegui entregar alguns trabalhos que estavam atrasados (internet e sites de respostas, eu amo vocês), fazendo com que meus pais relaxassem um pouco e voltassem a me ignorar dentro de casa. Meu amigo sorriu ao me ver  e falou:

- Oi.

- Oi – sentei ao lado da sua cama – Como você está se sentindo?

- Cansado – ele fez uma careta – Mas nada tão exagerado também.

- Entendi – toquei seu rosto – Quando você volta para casa?

Nicolas hesitou e eu senti um aperto no peito. Conhecia aquela expressão no seu rosto, o medo de ter que me contar algo que com certeza não iria me agradar. Mesmo assim, continuei firme esperando uma resposta. 

O que poderia ser de tão ruim assim? Ele ficaria bem, claro que ficaria. Mesmo sendo relativamente tarde, ainda assim meu amigo tinha iniciado o bendito tratamento, então era óbvio que iria melhorar. Depois do que pareceu uma eternidade, ele falou:

- O médico disse que é provável que eu não volte para casa.

Senti o ar escapar de mim e minha visão ficar turva. Como assim? Como Nicolas não voltaria para casa? Não, não pode ser verdade. Ele havia iniciado o maldito tratamento, tinha que ficar bem! Não era assim que funcionava? As pessoas se tratavam e voltavam para casa. Mesmo sem querer, senti meus olhos encherem de lágrimas.

Abri minha boca e tentei falar algo. Mas foi inútil, o caos já tinha sido instalado em mim. Ele ficaria naquele hospital para sempre? Isso seria um indicativo de que seria impossível melhorar? Ou um aviso da sua possível morte? Droga, me sentia sem chão agora. 

Nicolas forçou um pequeno sorriso e segurou minha mão, provavelmente confuso sobre que decisão tomar para me acalmar. Mas era impossível, eu definitivamente não estava bem. Como seguiríamos? Odiava aquele hospital e saber que só o veria ali partia meu coração em milhões de pedacinhos. Ele limpou a garganta e explicou com calma:

- Talvez minha mãe já tenha te informado que aceitei o tratamento, porém, foi tarde demais. Os médicos... Contaram que seria muito difícil funcionar e... Não era válido tentar com chances tão pequenas. Minha mãe ofereceu uma boa quantia, mas nenhum aceitou.  Seria um desperdício de medicamentos.

Desperdício?

Como que seria um desperdício lutar pela vida do meu melhor amigo?

Como seria um desperdício lutar pela vida de uma pessoa?

Mesmo que as chances fossem pequenas, ainda era uma vida! 

Eu já não ouvia mais nada, minha cabeça estava simplesmente... Vazia. A revolta crescia em meu peito, me fazendo ter vontade de encontrar esse médico e mostrar a ele tudo o que eu achava sobre essa sua postura profissional. Era o meu amigo naquela cama, médico nenhum tinha o direito de negar algo tão importante a ele.

Era péssimo lidar com o fato de que existiam pessoas que desistiam tão facilmente de alguém. Nada fazia sentido. Não era tarde demais, iria dar certo! Nicolas estava melhor, se alimentando, sorrindo, iria funcionar! Ele estava disposto a tentar, Marta iria pagar por isso, então qual é o problema?

- Alícia – Nicolas segurou meu pulso, atraindo minha atenção.

- Não pode ser – mordi meu lábio inferior com força suficiente para sentir o gosto de sangue – Não pode... V-você está melhorando Nicolas. Está...

- Calma – ele pediu.

- CALMA? – enfim surtei – Não é possível sentir calma! Você não vai voltar para casa e eu tenho que ter calma? Eu tenho que falar com esse médico, convencer a ele de que isso é uma loucura. Podemos processar esse infeliz, o hospital, sei lá.

- Vem cá – abriu os braços.

Deitei com cuidado em seu peito e comecei a chorar. Eu não poderia perder ele, não ia conseguir lidar com isso. Céus, logo agora? Depois de tudo o que passamos iria acabar assim? Não era justo o universo me oferecer uma felicidade e depois arrancar dessa forma.

Essa ideia era tão absurda que senti falta de ar. Seria assim então? Eu viveria sem o amor da minha vida? Eu descobriria que estava apaixonada só para lidar com a perda depois? Me declararia apenas para ter que comparecer ao seu enterro e lidar com as mensagens idiotas de apoio?

Qual o sentido então? Por que ser sincera? Eu deveria ter ficado quieta, talvez seria mais simples lidar com o fato de não ter dito nada do que saber que ele gosta de mim e não poderemos ficar juntos. Meu amigo segurou meu queixo e mandou:

- Respira devagar Alícia.

- Não posso te perder – fechei os olhos e me encolhi, sentindo seu cheiro mesclado com o desinfetante da sala – Não posso Nicolas.

- Vamos pensar positivo – havia uma urgência em sua voz – Temos uma lista para completar.

- Mas... – comecei.

- Não podemos deixar ela incompleta – sentia sua súplica nos olhos.

Eu queria me recompor, poder sorrir e compartilhar dessa esperança. Ou até por mais estúpido que fosse, esquecer minha realidade por um momento. Queria beijar sua boca de novo e flertar descaradamente, ignorar que estávamos em uma droga de hospital e que ele não sairia dali.

Mas da mesma forma que eu amava aqueles olhos azuis, eles me lembravam que eu acabaria sozinha. 

E isso me quebrava por dentro, como se uma faca cortasse meu interior diversas vezes, numa velocidade tão grande que nem seu sorriso era capaz de me curar. Ele estava ali, envolvendo seus braços em mim, mas até quando? Até que momento eu teria o prazer de encontrar essa paz que ele insistia em tentar me oferecer?

Fechei os olhos e procurei alguma palavra de conforto dentro de mim. Não encontrei nada além do meu desespero. Nicolas beijou minha bochecha e falou com carinho:

- Vai dar tudo certo.

- Não minta para mim – ordenei - Nem ouse começar a plantar falsas esperanças em meu peito.

- Vamos falar da lista? – ele mudou de assunto.

- Nem sei se dá certo mais – afirmei.

- Por favor – meu amigo insistiu.

Pensei em continuar negando, mas Nicolas me beijou levemente. Imediatamente cada surto em minha mente se dissipou, escorrendo para longe de mim. Sua boca possuía um leve amargo do remédio, mas não me incomodou. 

Meu corpo inteiro relaxou e não resisti à vontade de me inclinar em sua direção, puxando seu corpo para perto de mim. Não conseguia decidir se estava feliz ou perdida com o beijo, mas não recuei por um segundo sequer.

Suas mãos deslizavam pela minha cintura, enviando arrepios pelo meu corpo. Estávamos em uma sessão de amassos em um hospital, qualquer pessoa poderia nos ver a qualquer momento, mas eu precisava disso. Necessitava dele, da sua boca removendo cada partícula de medo, das promessas não ditas. 

Beijá-lo era como uma cura para minha alma, e mesmo que isso fosse momentâneo, não me importei.

E lá no fundo, desejei que esse pesadelo acabasse.

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