Fome

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Meu tio Maicon sempre dizia que no futuro eu ia ser brilhante.  Que de alguma maneira eu levava paz e alegria para as pessoas mesmo nos piores momentos. Não vou mentir, nunca me vi assim. Pelo contrário, parecia que eu sempre causava confusões por onde passava.

Quando por exemplo eu comia até vomitar na escola  só pros meus pais terem que vir me buscar. Os alunos sempre me trataram mal, mesmo sendo da mesma classe social e tendo uma aparência aceitável.  Diziam que eu tinha um jeito estranho e que por onde eu passava dava merda. Mas esses boatos se espalharam depois de eu colocar fogo na anfiteatro sem querer.

Por conta da minha estratégia de passar mal, eu desenvolvi uma compulsão alimentar que me atormentou por anos. Por anos eu descontava na comida e cada vez mais piorava. Um dia meu estômago ficou tão machucado por eu vomitar muito que meu pai foi obrigado a me levar no hospital. No hospital eu passei por um psiquiatra que me encaminhou para terapia.

Na terapia eu consegui realmente me encontrar e encontrar uma das fontes dos meus problemas e a partir daí comecei meus objetivos. Consegui deixar meus pais abusivos pra trás e fugi para os Estados Unidos com 16 anos. Como  aqui não tem SUS ( Sistema Único de Saúde) eu tive que parar com a terapia. A maioria dos meus problemas compulsivos voltaram e foi a fase mais difícil da  minha vida.

Entretanto quando consegui forças pra estudar e trabalhar, aos poucos fui me encontrando novamente.  Pelo menos até aquele dia no laboratório. E agora me encontro agachada no banheiro colocando tudo pra fora. Mas dessa vez não foi por comer demais, na verdade é de fome. Sim, fome. 

Quando Lena me acordou assustada, a primeira coisa que fiz foi correr pra cozinha e comer tudo o que achei na geladeira. Mas nada tirava meu apetite. Meu corpo borbulhava e Lena estava a ponto de surtar. Na verdade ela ainda está surtando enquanto segura meu cabelo.

— Por favor, vamos para o hospital. - acaricia minhas costas.

— Não, está tudo bem. - olho para ela e volto vomitar logo em seguida.

— Se isso for bem eu nem quero ver o mal. - seu tom irônico é ignorado por mim enquanto levanto.

Meu estômago ronca alto e dói ao mesmo tempo.

— Isso é só fome, relaxa. - escovo os dentes e volto pro quarto.

— Você acabou de comer minha geladeira inteira! - a olho envergonhada e ela logo se prontifica de se desculpar. — Me desculpe, eu não quis ofender, eu só estou preocupada.

— Quando você me achou laboratório eu estava fazendo o que?

— Bom, de uma maneira bem assustadora você estava comento uma parte de uma das máquinas, você não se lembra? - eu nego e ela respira fundo pensativa.

— Talvez seja isso que tenha te feito mal. - se senta ao meu lado e coloca dois receptores em minha mão.

O tablet em suas mãos mostram meu estado corporal e os resultados são um pouco preocupantes.

— Sua radiação subiu e seus glóbulos brancos estão sumindo. - franze o cenho. — Não estava assim uma  hora atrás. O que está sentindo?

—  Fome. Eu estou sentindo fome. 

— Mas você já comeu.... - ela para e olha pro nada antes de voltar sua atenção em mim. — A não ser que...

A mulher se levanta apressada e sai correndo. Até correria atrás, mas meu estômago doí novamente e me deito em posição fetal. Parece uma eternidade até ela voltar com uma roupa estranha, luvas e uma bandeja com potes estranhos. Os potes brilham pra mim.

— O que é isso? - me sento e seguro meu impulso de pegar o que ela estava segurando.

Lena nada fala. Apenas deixa a bandeja na beira da cama e sai. No momento seguinte eu estou atacando o pote como se minha vida dependesse disso. 

Amor E Outras Dores (Lena Luthor/ You) (EM REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora