Aurora ri, Pedro também. São gêmeos, um casalzinho com quem já converso há um bom tempo e percebi que são as coisas mais lindas que já vi na vida.
— A titia chegou! — berra Aurora toda empolgada.
É, a titia chegou!
Não sei se poderia pedir que fosse diferente, quer dizer, eu queria muito que a minha irmã ainda estivesse aqui, eu imagino a dor dos pequenos de pensarem que a mãe não vai voltar mais para casa, contudo, eu entendo que na vida tudo tem um processo natural.
Eu e Mara não éramos amigas, ela sempre viu em mim uma rival e sempre me esnobou, nossa relação era sem sentido, na infância por eu ser a mais velha sempre quis protegê-la e cuidar dela, porém ela era invasiva e ciumenta, logo fui percebendo que devido a personalidade dela, meus pais acabavam fazendo tudo o que ela queria e satisfaziam seus caprichos.
Depois que eu saí de casa meu contato com ela se resumia a vê-la apenas nos feriados, algumas vezes acompanhá-la em suas postagens em redes sociais, mas nada tão profundo ou algo do tipo.
É complexo parar para pensar que durante toda a minha vida a minha irmã foi uma completa estranha.
Saio de dentro do carro quando eles se afastam e depois que abro a porta, vejo Aurora e Pedro vindo correndo na minha direção e me agarrar pelas pernas, me inclino e os abraço ao mesmo tempo, abrindo bem os braços, sentindo o calor do aperto, uma emoção que não se contenta dentro de mim.
— Bem-vinda titia — Pedro diz sorridente.
— Muito obrigada — digo e beijo as bochechas dele depois as dela fazendo-os sorrir.
— Você deve ser a Djamilah — escuto a voz firme e meio distorcida em português.
Me ergo e vendo o par de tênis Nike simples diante dos meus olhos, conforme vou levantando o olhar vou vendo a calça de moletom azul escura, depois uma camisa de moletom de cor cinza pesada, mãos enfiadas dentro dos bolsos do moletom, então ombros largos, e depois um pescoço grosso, um rosto bonito e uma touca de lã preta colocada na cabeça dele, me assusto realmente com a altura do homem.
Ok, já havia visto fotos, mas aqui há poucos metros de mim não consigo parar de pensar que nada é como eu pensei que fosse pessoalmente.
— Ela chegou Luís — escuto a voz de mamãe soando bem perto e logo em seguida ela está diante de mim usando roupas cumpridas e cachecol. — Ah, vejam só, você chegou!
Ah, não me diga?!
Mamãe estende os braços e me dá um abraço forte, como se em algum momento da vida ela houvesse se importado comigo o suficiente para dar um abraço desses, porém, não me permito muito sentir coisas do tipo.
Entendi com o tempo que sentir emoções é uma coisa complicada demais, é muito fácil bloquear tudo e simplesmente fingir.
— Ela está do mesmo jeito, Cassandra — papai diz quando ela me solta e me olha de cima abaixo. — Toda fofinha.
Depois ele me abraça com força, meu pai é muito daquele tipo de homem que faz o que a mulher disser para que isso não dê dor de cabeça para ele, totalmente submisso as vontades da minha mãe, não me lembro de ter sido diferente desde pequena.
Ela manda, ele obedece e depois tudo está absolutamente bem.
Ah, fofinha, eu havia me esquecido o jeito fofo do meu pai me chamar de gorda, mas ignoro.
— É bom ver vocês também — digo e sorrio, me afasto. — Trouxe presentes.
Abro a porta do carro e pego as sacolas com os presentes que trouxe para todos, não quis chegar de mãos abanando, então trouxe bastante coisas para as crianças, mesmo que isso tenha me custado um dinheirinho a mais.
— Quer ajuda? — papai se aproxima.
— Tem mais uma caixa aí atrás — respondo.
— Eu pego para o senhor — meu cunhado dá a volta no carro e abre a porta.
Bem, é estranho, alguém que nunca conheci pessoalmente na vida e que tenho que chamar de cunhado, mas é um fato, olho em volta e o cenário de cinema ainda é a coisa mais linda que já vi na vida. Mamãe não é tão jovem quanto anos atrás, nem meu pai, mas são as mesmas pessoas, ela uma senhora baixinha de olhos castanhos e cabelos da mesma cor com mexas de fios brancos e meu pai um careca mais alto com bigode farto.
— Vamos entrar — mamãe chama.
Eu não tenho muito o que falar.
Porque é assim que as coisas são, é assim que deve ser.
Agora é me preparar para passar esse mês com os meus pais e com os meus sobrinhos.
Depois voltar para a minha vida no Brasil.
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Garota Gorda - Conto - DEGUSTAÇÃO
Short StoryDjamilah é uma operadora de caixa que aos 38 anos não pode dizer que vive uma vida romântica muito ativa, por ser uma mulher plus size sente na pele o preconceito de muitas pessoas. Tudo vira de cabeça para baixo quando sua mãe com quem não tem cont...