Os Pais

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— Você trouxe castanhas, geleias, não precisava.

Olho para a minha mãe assim que entro na sala, a casa não é tão grande, ela tem uma decoração rústica e diferentemente das casas do Brasil, ela é toda de madeira, a cozinha e as salas são compartilhadas, então vejo daqui meu pai mexendo em panelas enquanto mamãe está abrindo a caixa que eu trouxe com coisas para eles do Brasil bem na sala.

O apático do Arthur está sentado em uma poltrona perto da lareira da sala, as crianças estão mexendo nas embalagens que mamãe acaba de colocar no centro da sala, tem uma árvore de Natal enorme num canto da sala com presentes embaixo dela e muitos enfeites pendurados nos galhos.

Aurora se aproxima ao me ver e abre os braços, imagino que tanto ela quando Pedro estejam bastante carentes devido a ausência da mãe, são duas crianças que acabaram de fazer cinco anos, ainda não entendem muito bem as coisas.

A pego no colo e beijo sua bochecha, me lembro que meses atrás durante a primeira videochamada que fiz com eles e meus pais, eu estava prestes a chorar, vendo-os sorrir e comemorar por me conhecerem, eles sorriam tanto que só me sentia grata por saber que os conhecia, que faria parte da vida deles de alguma forma.

Sempre soube que não tinha espaço para mim na vida dos meus pais e da minha irmã, mas em relação a ambos eu realmente sinto uma conexão que não sei explicar, é algo que me faz sorrir e me faz sentir realmente bem.

Infelizmente não tive filhos, durante esses anos tive alguns namorados, mas nada que me fizesse pensar em construir uma família, principalmente por minhas condições financeiras, então acabou que eu não quis engravidar, os anos foram se passando e as minhas expectativas foram se cessando, elas foram diminuindo até que atualmente não existem mais.

Pensei uma ou duas vezes no "e se ele for a pessoa certa para ser pai dos meus filhos" com o meu ex-namorado, foi o relacionamento mais longo que tive, quase sete anos, mas isso acabou porque eu estava descobrindo logo em seguida que ele estava me traindo com outra mulher.

É muito complicado pensar nisso hoje.

Me sento ao lado da minha mãe, Pedro está sentado diante da mesa olhando para as embalagens das coisas que eu trouxe, trouxe cocada, castanhas de caju e do Pará, também trouxe biscoitos e bolachas que eu sei que o meu pai ama, guaraná, outros quitutes que eu sei que eles não encontram aqui.

— Eu posso comer um docinho? — Pedro indaga.

— Não pode comer essas porcarias, Pedro — responde o pai dele de onde está.

Eu nem consigo imaginar como de alguma forma vou conseguir continuar a ignorá-lo, porém é o que eu farei.

Vejo no olhar do meu sobrinho o quanto esse tom reprovador o assusta e o deixa triste, mamãe começa a guardar as coisas na caixa novamente, ela também não gosta do jeito como ele fala com eles, mas imagino que assim como a conheço bem, que como ela depende dele financeiramente agora que a Mara faleceu, que não se sente no direito de falar nada, nem ela nem meu pai.

Papai apesar de aposentado recebe uma micharia do INSS, o dinheiro nunca daria para manter esse estilo de vida que eles têm aqui, acho que a Mara os ajudava mensalmente com parte do salário dela.

— E como estão as coisas no seu emprego? — mamãe indaga.

— Do mesmo jeito — dou de ombros. — A dona Paula mandou um pano de pratos bordado a mão para a senhora, depois pego na minha mala.

— Gostou da viagem?

— Sim, foi bem tranquila, dormi bastante.

Acho que para uma primeira vez de avião eu fui até bem, me mantive calma, respirei fundo e tentei relaxar, acabei dormindo porque foram muitas horas de viagem.

— Estamos felizes que tenha vindo ficar com as crianças, na virada do ano o Arthur vai para a casa da Amanda e pedirá a mão dela em casamento aos pais dela, é uma jovem linda e muito elegante.

O "linda" não poderia faltar.

Mas reconheço que a felicidade da minha mãe é autêntica, quer dizer, imagino que ela tenha sofrido com o luto devido a perda, porém também para ela talvez seja importante que o genro se case novamente e que garanta para as crianças estabilidade, algo que uma mulher facilmente trará.

— E você? Como está o seu namoradinho?

— Nós terminamos, havia esquecido de te falar.

— Não acha que está na hora de se casar e ter suas crianças?

— Não.

Pedro me abraça todo contente e se senta ao meu lado no sofá, beijo sua cabeleira castanha, ambos se parecem bastante com o pai, olhos azuis, cabelos castanhos lisos ondulados nas pontas, mas eles têm os lábios da Mara e o nariz dela. Não são idênticos, mas são bem parecidos.

— Nenhum netinho para mim? — papai questiona da cozinha.

— Já temos o suficiente — digo e cutuco os meus sobrinhos.

Eles riem a beça e se espremem.

— Estamos felizes que esteja aqui, filha, não têm sido meses fáceis — mamãe fala com certa dureza na voz. — Será ótimo que tire esse tempo para conhecer as crianças e descansar.

— Serão as férias que eu não tiro há um bom tempo — confesso.

Pedro me abraça e eu o puxo para o meu colo, coloco-o sentado em minha outra coxa e os aperto ao mesmo tempo.

— Vou guardar tudo isso — mamãe se levanta e pega a caixa. — Que bom que veio.

Ah, será mesmo?

Vamos ver até onde essa encenação dura, o outro pelo ou menos teve a dignidade de dizer o que ele pensa ao meu respeito na cara, já meus pais não sei muito bem até quando vão durar as máscaras.

— Podemos abrir nossos presentes? — Aurora pergunta toda sorridente.

— Podem.

Então vamos aos presentes.



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Garota Gorda - Conto - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora