Talvez seja insuportável demais parar para pensar que não vim ao enterro da minha própria irmã.
Mas não é algo do qual eu me arrependa porque ela foi uma pessoa horrível comigo por boa parte da nossa infância e adolescência. Enquanto eu só era a irmã mais velha a quem meus pais faziam cobranças e me enchiam de responsabilidades, Mara estava ali sendo a filha modelo que trazia a eles sorrisos e muito orgulho.
Eu não fiz parte da vida da minha irmã porque ela nunca me permitiu ser parte de qualquer coisa em relação a ela, ela sempre foi uma pessoa esnobe e arrogante que não gostava da ideia de que sua imagem estava vinculada a mim.
Nunca fui gananciosa, nunca pensei sobre ter planos mirabolantes para a vida e principalmente, não tinha por fora fortes atributos que levassem a ela se interessa por mim ou em me ter por perto.
Eu sou o oposto de todas as pessoas da minha família em absolutamente tudo.
Eu sou gorda e nunca pareci entrar ou caber em nenhuma expectativa da minha mãe, não fui suficientemente inteligente para conseguir querer estudar em uma universidade pública, nunca almejei grandes coisas, é claro que por anos sonhei em me casar e ter uma família, mas muitas coisas me levaram a crer que não seria boa nisso também.
Acho que a coisa em que eu realmente sou boa nos dias de hoje é em sentir que ajudo as pessoas de alguma forma, mas fora isso eu não cumpri com nenhum dos planos que meus pais tinham para mim.
Mara passou a vida toda cercada de pessoas por interesse, ela abominava a pobreza em que meus pais viviam e tratava meu pai como se fosse escravo de suas vontades, acho que de tanto vê-la humilhando-o em troca de dinheiro que me veio a vontade de ir embora.
Me cansei das crises de garota mimada dela.
Acredito que ela realmente conseguiu chegar onde chegou e viveu plenamente, um casamento feliz com alguém importante, ao contrário de mim que me enfiei em namoros fiascos.
Me lembro que no último Natal que passei na casa dos meus pais ela estava já em um de seus intercâmbios pelo mundo usufruindo do poder aquisitivo que os pais de seu atual marido possuía, já era concursada e só vinha para a casa dos meus pais a passeio.
Acho que ela queria mesmo limpar essa imagem de pobre que meus pais sempre tiveram e que por isso ela os trouxe para cá, então desde que isso aconteceu eu parei de ter contatos profundos com meus pais ou melhor passei a ter nenhum contato com eles.
Quando mamãe me avisou que iria embora eu entendi que mais uma vez não fui sua escolha ou escolha do meu pai, que eu não poderia passar a minha vida toda tentando entender que nunca seria uma opção na vida deles, que eles já tinham sua favorita.
Então me afastei e vivi a minha vida.
Mara não veio atrás de mim em nenhum sentido, ela nunca me deu um telefonema ou me enviou alguma carta, eu ainda tentei enviar alguns cartões de aniversário para ela via correios, mas todos foram devolvidos, então desisti de tentar.
Cansei de me esforçar e segui com a minha vida, tem dado muito certo até hoje.
Escuto o som de três batidas na porta e não quero levantar para ir abrir ao mesmo tempo sei que provavelmente são os meus pais que vão querer saber porque eu não quis almoçar com eles.
A verdade é que subi e fiquei remoendo em minha mente a cena do meu cunhado jogando a minha caixinha de presente no lixo, eu acabei chorando muito e me veio essa onde de culpa por pensar que eu não estive aqui quando a Mara adoeceu e veio a falecer.
Sei que não mudaria nada, mas ao menos talvez essa visão feia que os meus pais e ele têm sobre mim não existisse atualmente.
— Djamilah, poderia por favor abrir a porta?
É ele.
Respiro fundo e limpo as minhas faces, tento ficar o máximo que posso um pouco mais calma. Vou até a porta e giro a chave abrindo a tranca, vejo esse estranho diante de mim segurando um prato com fatias de peru, arroz e molho no canto do prato, na outra mão um copo de suco.
— Sua mãe pediu que eu trouxesse seu almoço.
— Obrigada.
Pego o prato da mão dele e o copo de suco de uva, não estou com fome, não quero mais lidar com as grosserias desse homem, ele não sabe nem de metade da história, mas como conheço muito bem a minha irmã, imagino que ela tenha dito para ele coisas que nunca aconteceram.
— Eu lamento se não gostou da brincadeira.
Brincadeira?
— O senhor está debochando de mim? — fico parada diante de Arthur estou bastante chateada.
— Como? — ele pergunta e enfia as mãos dentro dos bolsos. — Não precisava chorar, eu havia guardado tudo nos meus bolsos.
Depois ele retira as mãos de dentro dos bolsos da calça e exibe o perfume, a vela e as duas pulseiras, lanço um olhar para o homem e só consigo me sentir ainda mais zangada.
— Sei que não teve graça, lamento.
— Lamenta?
Eu duvido muito disso.
Coloco o prato sob a mesinha no canto do quarto e o copo de suco, não sei nem como começar a falar sobre isso, eu me sinto mal pela forma como estou sendo tratada pelo meu cunhado, não quero causar atrito algum e esse nunca foi meu intuito.
— Sabe o que a sua irmã me fez prometer em seu leito de morte?
— Ela me odiava — nego e me viro para ele cruzando os braços. — Acha que não me sinto mal por eu não estar aqui ao lado dela? Que não vim porque não quis?
Arthur fica calado me encarando, enfiando as coisas dentro dos bolsos da calça, olhos azuis mais vivos, acredito que também não goste tanto de ter essa conversa tanto quanto eu.
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Garota Gorda - Conto - DEGUSTAÇÃO
Short StoryDjamilah é uma operadora de caixa que aos 38 anos não pode dizer que vive uma vida romântica muito ativa, por ser uma mulher plus size sente na pele o preconceito de muitas pessoas. Tudo vira de cabeça para baixo quando sua mãe com quem não tem cont...