Verdadeiro Natal

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— Titia, eu posso ficar aqui com você?

— Claro querida.

Aurora se senta ao meu lado perto da lareira, jogo o cobertor para o lado e a pego no colo, a coloco sentada entre as minhas pernas e pego o cobertor jogando sob nós duas.

Nunca havia visto uma lareira de verdade acesa a noite, ainda é meio surreal estar aqui, mas acho que dada a situação só ouvir meus pais na cozinha da casa discutindo sobre quem vai preparar o que e quem vai lavar os pratos que estão sujos na pia é no mínimo confortável.

Desci há alguns momentos, depois de uma tarde meio complicada e da discussão com o meu cunhado, ainda fiquei no quarto alguns momentos até decidir me levantar e tomar um banho, descer.

Vesti uma calça de moletom folgada e uma camiseta azul escura, calcei meias e minhas chinelas, mantive meus cabelos presos e troquei as lentes de contato por meus óculos.

Quando desci me ofereci para ajudar na cozinha, mas fui expulsa pelos meus pais, as crianças estavam vendo tv na sala e graças a Deus mamãe me disse que o meu cunhado havia saído para ir ao mercado.

— Podemos brincar de maquiadora amanhã? — Aurora pergunta se encolhendo entre meus braços. — Você é tão quentinha.

Sorrio e beijo a cabeça dela, não demora muito, Pedro também vem, ele já puxa o cobertor e se senta ao meu lado me abraçando também, já percebo logo certo ciúmes, ele segura seu boneco do homem aranha e isso me faz sorrir ainda mais.

Não saberia explicar minha sintonia com os meus sobrinhos, mas aqui estou eu com essa conexão muito boa, um pouco feliz de ter essa oportunidade de estar com eles, enfrentando o receio de ser julgada pelos meus pais e agora pelo meu cunhado.

— Conta uma história de Natal, titia — pede Pedro.

— Não conheço muitas histórias, mas eu sei cantar algumas músicas — digo e o puxo para junto de mim.

— A mamãe cantava muito mal — Aurora diz e afasta os cabelos para trás do rosto.

Começo a puxar os cabelos dela para cima com cuidado, são fininhos e comportados, os divido ao meio e decido fazer tranças.

— Mas ela não é mamãe — Pedro retruca com certo desconforto na voz.

— Não te perguntei nada — Aurora berra e saca a mão no braço dele. — Seu cagão.

Me esforço para não sorrir e seguro a mão dela.

— Meu amor, não pode fazer isso com o seu irmãozinho — alego. — Peça desculpas.

Aurora fecha a cara e olha para a lareira. Imagino que na cabecinha deles tudo esteja confuso.

— Eu conheço bruxas de Salem...

Começo a cantar baixinho enquanto meus dedos vão fazendo as tranças na cabeça dela, Pedro se deita com a cabeça em minha perna e fica ouvindo em silêncio assim como ela. Acho que não canto tão mal, algumas pessoas no mercado já disseram que tenho uma voz muito bonita. Nas quintas de Karaokê, sempre sou a que ganho as disputas, acho até que as outras meninas estão de saco cheio de perder.

Aurora se inclina e coloca a cabeça em minha outra coxa juntando as pernas, sorrio e inicio a outra trança enquanto deixo a minha voz sair baixinha, sei que isso os tranquiliza. Quando termino a música, as crianças sorriem mais calmas.

— Sua avó já contou que somos metade indígenas por parte dela? — pergunto.

— Não! — Pedro responde bem surpreso e seus olhos se arregalam.

Garota Gorda - Conto - DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora