Na verdade, não deveria existir essa conversa.
— Eu nem sabia direito onde vocês moravam, eu não falava com os meus pais há mais de dez anos, a Mara simplesmente veio para cá e os trouxe, ela nem me deu a oportunidade de conhecer os meus sobrinhos.
— É muito fácil falar sobre ela já que ela morreu.
— Entendo que ache que eu sou uma irmã ausente e que ela era uma santa imaculada sem defeitos, mas isso não muda o fato de que ela nunca me permitiu estar perto o suficiente.
— Isso não muda o fato de que foi ausente.
— Não, porque eu sou tão rica né? Para pagar viagens caras para os Estados Unidos, eu tenho tanto dinheiro para pagar passaportes e greencard — reclamo entre lágrimas. — Se estiver procurando por uma resposta, não sou a melhor pessoa do mundo para te dar, talvez os meus pais possam mentir melhor que eu.
Arthur fica calado, ainda está me analisando como se estivesse zangado comigo.
— Vim pelos meus sobrinhos, não tem que gostar de mim e eu não tenho que gostar de você, então não vamos tornar isso mais difícil do que já está sendo.
— Eu só queria entender porque foi tão ausente, não seria estranho para você? Eu fiquei por 15 anos com a sua irmã e ela sequer tocou no seu nome durante esse tempo, tão pouco seus pais.
— Pode perguntar para eles porque eles decidiram me ignorar a partir do momento em que eu saí de casa, em relação a isso, realmente só consigo pensar que talvez ela tivesse vergonha de mim, não sou absolutamente nada do que ela era, ela nunca gostou de ser associada a mim.
— Me desculpe, mas acho que não estamos falando da mesma pessoa.
Eu imagino que não.
A pessoa que ela era para ele não era a pessoa que ela foi para mim por anos.
— Talvez não estejamos mesmo.
— Era importante que você estivesse aqui quando aconteceu.
Ele não gosta de falar disso e sei porque, é doloroso.
— Eu lamento por não estar, mas não tinha contato algum com ela ou com meus pais.
— Isso não entra na minha cabeça — ele fala meio nervoso.
— Não consigo entender porque, ela e eu não combinávamos em nada.
— Eram irmãs.
— Algumas vezes isso não era o suficiente.
Limpo as minhas faces e vou até a porta da sacada, fico olhando para a neve caindo lá fora e me sinto realmente mal por essa situação, não sei porque achei que chegaria aqui e que eles não me encheriam de perguntas, acusações, mas esperava isso apenas dos meus pais, não do meu cunhado.
Ele é só um estranho que está me julgando sem me conhecer.
— Eu não te julgo, mas não gosto de pensar que uma estranha ficará com os meus filhos por alguns dias.
— Não sou estranha, sou tia deles.
— Você entendeu.
— Eu não sei o que estou fazendo aqui então, porque permitiu que eu viesse.
— Meus sogros insistiram muito e foi pedido da Mara quando ela estava internada, ela me pediu que te convidasse para o Natal antes de ir para a UTI e entrar em coma.
— Ela deveria estar alucinando, não deveria ter dado ouvidos a ela nem aos meus pais.
— Sempre que posso cumpro com a minha palavra.
— Entendo.
— Vou pedir para a minha irmã mais nova que venha então, você se importa que ela fique com vocês?
— O senhor pode fazer da forma que preferir.
— Ela tem dezoito anos, acabou de entrar para a universidade, tenho certeza de que também será boa companhia.
— Está bem.
— Djamilah, eu entendo que vocês têm seus problemas de família, mas se parar para pensar eu também tenho o direito de saber o que aconteceu, você fará parte da vida dos meus filhos.
— Não sei se adiantaria muito explicar — falo e me viro, Arthur está bem diante de mim, não esperava que estivesse tão perto. — Eu não quero estragar a percepção que você tem da minha irmã na sua cabeça e nem destruir tudo o que pensa sobre ela.
— Irmãos têm problemas e eu compreendo que nutra esse rancor devido as briguinhas de adolescência — ele estende a mão e apoia no meu ombro. — Lamento pela brincadeira com o presente, só queria quebrar o gelo.
— Foi de mal gosto — digo secamente.
Acho que ele não sabe onde enfiar a cara, está todo sem graça, levo alguns segundos para me afastar e determinar uma distância.
— Vocês são muito parecidas, já disseram?
A todo momento.
— Vou almoçar, depois eu desço e vou ficar com as crianças.
— Pedirei que a minha irmã venha amanhã, assim poderão se conhecer e se acostumar uma com a outra, ok?
— Ok.
Vou até a mesa e me sento, escuto o som dos passos largos e logo em seguida a porta é fechada, respiro fundo e olho para o prato de comida, pego os talheres dentro dele e começo a comer.
— Vai dar tudo certo, Djamilah.
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Garota Gorda - Conto - DEGUSTAÇÃO
Short StoryDjamilah é uma operadora de caixa que aos 38 anos não pode dizer que vive uma vida romântica muito ativa, por ser uma mulher plus size sente na pele o preconceito de muitas pessoas. Tudo vira de cabeça para baixo quando sua mãe com quem não tem cont...