Capítulo doze - Ânimos à Flor da Pele

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Naquele dia, o ar cheirava a grama molhada, o sol reluzia agradavelmente e, como ontem, Leo não fora visto por ninguém.

Eu já deveria me acostumar com tal fato: não vê-lo nunca mais. Repetia para mim que ele estava bem e pronto, eu era capaz de acreditar, porém, isso não me fazia mais alegre. Leo não voltara, eu não o via desde o dia em que Luccas levara-me a seu apartamento, aonde ele se escondia, ainda que por pouco tempo como dissera. Os jornais se cansaram um pouco de remoer o caso. Eu também não tinha notícias de onde Miguel poderia estar. Eu estava sozinho, preso naquele cubículo que Catanopólis se transformara para mim.

Foram longas semanas, mas que passaram e não voltariam mais. Agora, eu me arrependia de ter relutado em construir novas amizades, relacionamentos. Sentia que não havia ninguém. Nem mesmo eu estava ali. Quando mamãe vinha até meu quarto exigir que eu descesse, ela falava apenas com meu corpo.

Nesses dias eu li bastante. Comprei uns seis livros pela internet, e todos chegaram, para meu alívio. Uns dois dias depois de meu encontro com Leo no apartamento de Luccas, comecei a ler um livro sobre velhice. Não era ficcional, pelo menos para mim; abordava sobre o envelhecimento entre diversas perspectivas, tratando a idade com um mero detalhe insignificante. Fora nesse livro que encontrei uma palavra curiosa.

Senescência, que é o processo natural de envelhecimento do ser humano, conforme o dicionário.

Depois que terminei, o passei para minha mãe, que ficara interessada também. Ela não terminou de ler o livro até hoje.

Na mesma madrugada, comecei outro, esse era ficcional, um pouco fantasioso até. Era a história de um príncipe que conseguira uma noiva através de uma aliança entre reinos, porém, essa princesa já tinha seu coração pertencido a outro. O príncipe se corrompera num ciúmes doentio e precoce, pois ele somente queria isso: amar e ser amado. Ele começara a chantagear a princesa com seu segredo, mas eu não entendera direito o porquê de ter o feito. O príncipe não a amava, a meu ver. Mas o fez. O final fora trágico, reflexivo, quase cruel, mas fiquei impassível ao me deparar com ele. Eu leria o livro de novo, mas não agora.

Em meio a tudo, tomei para mim que fiquei bem, que ficaria bem, mas isso não fora totalmente verdade. Menti feio, agora eu sei. Os livros não foram uma distração exemplar, as histórias que li não foram boas referências, na verdade, foram até gatilhos para aquele turbilhão de coisas que passei a sentir, ou descobri sentir há muito tempo. Era mais complicado pensar sobre isso, até porque, eu me via igualmente doente quando punha razão, em muitas das vezes, nos desejos do príncipe do tal livro, por exemplo.

Isso era uma droga!

Minha escrivaninha nesses dias se tornara uma constante bagunça, mais do que antes, por conta das inúmeras anotações feitas por mim. Eu estava irritado ultimamente, mamãe não escondia mais a preocupação comigo e meu quarto estava uma podridão porque eu não saia dele, ou deixava alguém entrar.

Somente houve uma tarde, na verdade, que ocorrera diferentemente dos outros dias. Fiquei o dia todo vendo TV na sala, mas os noticiários não eram mesmo uma opção de entretenimento para mim. Encontrei uma série de TV que me prendera a atenção, Cléo ficara fora a tarde inteira e mamãe enfurnada no quarto, no meu lugar. Contudo, um pouco tarde da noite, aquela bolha depreciativa fora rompida.

— Ian?

— Huh?

— Tem como você ir até a casa dos Borba buscar Cléo, ela está brincando com a caçula deles.

Olhei bem para minha mãe, e ela parecia bastante empenhada em me tirar da frente da TV. Talvez ela mesma queira a usá-la para ver os noticiários, já que se tornaram quase que extintos por minha causa.

Adoráveis Garotos - Max MelimOnde histórias criam vida. Descubra agora